terça-feira, 6 de janeiro de 2015

Prós e Contras do Bom Velhinho.

Prós e Contras do Bom Velhinho, texto de Luiz Domingues.

Entre tantas simbologias que se espalham pelo imaginário do povo, sem dúvida que uma das mais fortes é o do Papai Noel.

Sua figura espalhafatosa, aliado ao fato de ser um bonachão, são apenas fatores superficiais, pois o que realmente encanta na sua figura são outros elementos.

O primeiro fato e sem dúvida o mais marcante, é o da sua predisposição contumaz para agradar as pessoas, distribuindo presentes e realizando sonhos.

Essa vocação para a bondade, é por si só algo extraordinário se pensado como ação utópica, em meio à uma realidade tão áspera em que vivemos, e por conta da luta pela sobrevivência, abre campo para todo tipo de adversidade.

A formação do seu mito remonta ao paganismo pré-cristão na Idade Média.

A sua mais remota raiz era o “Velho Inverno”, um ser que simbolizava o inverno enquanto personificação da natureza e que mediante invocações pagãs, realizava pequenas ações bondosas para amenizar os efeitos da estação entre os mais necessitados no duro frio europeu.

Alguns séculos se passaram até que o mito do velho inverno fundiu-se à história de um homem chamado Nicolau e que viveu na Turquia. Sua fama de ajudar pessoas carentes, inclusive custeando a resolução de suas necessidades o tornou objeto de santificação pela Igreja católica.

São Nicolau entrou para a história como um homem bondoso que presenteava as pessoas com enorme compaixão.

Chegando à idade contemporânea, São Nicolau abriu caminho para que Santa Claus, ganhasse o contorno com o qual mais nos familiarizamos na atualidade, e foi através de um desenhista alemão chamado Thomas Nast, que o estilizou como à um velho gnomo de floresta, que o personagem ganhou a aura mais fantasiosa e remetendo ao imaginário infantil das histórias da carochinha, numa publicação do final do século XIX.

Mas o toque comercial e capitalista pós Revolução Industrial veio mesmo quando a Coca-Cola contratou o publicitário Haddom Sundblom em 1931, e o bom velhinho ganhou a roupa vermelha que o tornaria famoso mundialmente, associando-o às cores do dito refrigerante e criando o mito subliminar de que sua simpática figura tem o espírito da companhia e vice-versa.

Cabem várias visões sobre esse ato de bondade desinteressada de um ser mitológico que tem como ocupação, apenas agradar as pessoas.

Evidentemente que o imaginário humano se agarrou à essa ideia como uma boia salvadora, em meio ao mar revolto da vida real.
Como uma ferramenta psicológica a lhe dar esperança de dias melhores, tem sua validade, é claro.

Pelo lado oposto, detratores do mito o acusam de ser mera ferramenta mercadológica do capitalismo selvagem.

Não deixa de ser verdade que tal artifício é usado ad nauseaum pelo mundo corporativo, comércio, indústria & afins.
Não é culpa da personagem, mas o fato é que o “bom velhinho” é usado e abusado em campanhas publicitárias extremamente apelativas, e que chegam a enojar pelo excesso de pieguice inerente.

Outro aspecto nocivo que se criou com essa manifestação folclórica, é o efeito depressivo que alavanca, para quem está em situação difícil sob qualquer aspecto.

Mais uma vez não é culpa da personagem, mas para quem está doente; encarcerado; com dificuldades financeiras ou de qualquer outra razão; se perdeu um ente querido recentemente; sem perspectivas ou qualquer outra (des)motivação de baixo astral, a figura do velhinho bonzinho e otimista e que não conseguirá resolver seus problemas imediatos, só potencializa sua baixa autoestima.

Mas claro, é nas crianças que o efeito do mito é mais forte, naturalmente.

A manipulação adulta em lhes imputar a contrapartida de ser um bom menino / menina, para que seja merecedor do sonhado presente que o velhinho vai lhe trazer no final do ano, é um ranço moralista, com implicações religiosas, não resta dúvida.

Mesmo com boa intenção em estabelecer limites e o conceito de direito e deveres para as crianças, os pais usam tal ferramenta com uma carga negativa, que a meu ver tem uma carga de chantagem, coação e indo além, sutilmente estabelece um sistema opressivo de dominação ditatorial, abominável.

Poucos dias atrás conversei com um conhecido meu que tem formação acadêmica de psicologia, e é também pedagogo e bastante envolvido com militância em ações de cidadania e sustentabilidade ecológica.

Dono de um charmoso Café no bairro do Belém, na zona leste de São Paulo, enquanto me servia um café daqueles bem caprichados, coisa de barista experiente, contou-me como faz para manter intacto o Papai Noel em tamanho natural que orna seu Café nessa época do ano, e que encanta as crianças, mas provoca a vontade quase inevitável nos adolescentes, de o vandalizarem gratuitamente.

Com metodologia e paciência zen, domou o instinto normal dessa molecada oriunda de uma escola particular e cara, que fica há dois quarteirões de seu estabelecimento. E seu Papai Noel em tamanho natural e que fala e canta em inglês, graças aos recursos eletrônicos dos quais dispõem, não corre mais riscos...

Nesse momento, percebi que a visão lúdica do Papai Noel tem sim uma função benéfica.
Meu amigo falando que a magia é fundamental para o desenvolvimento cognitivo das crianças e que sem o lúdico, não tem como construir as bases da criatividade, fez todo o sentido naquele instante, pois ativou em mim uma ligação pessoal com o conceito.

Mesmo sabendo disso ao ler artigos e ouvir gente entendida em psicologia / psicanálise e demais profissionais que estudam a psique humana, eu tinha apenas a compreensão intelectual de tal ditame.

Mas ali, em meio aos goles do café, ouvindo meu amigo explicando com bastante embasamento, e vendo o boneco cantando Jingle Bell em meio aos indefectíveis “ho ho ho”, fui além da racionalização meramente intelectual e entendi a argumentação sob outro viés.
Estabelecendo uma percepção muito pessoal, mas que ajudou-me a compreender muito melhor a argumentação, de fato, a magia do Papai Noel tem muita importância como ferramenta lúdica para os pequenos.

Se houver a possibilidade de não haver coação, manipulação, e domínio sob a égide do medo, sem barganhas e sem a ideia de que deva existir contrapartida obrigatória, acreditar na bondade como ferramenta para disseminar ideais de fraternidade entre os homens, é certamente uma forma de contribuição inestimável para melhorar este planeta.
Tal gesto pode ser a alavanca para uma nova consciência de que a fraternidade deva ser exercida nos 365 dias do ano, e não só motivada pelo chamado espírito natalino.

Tal consciência deve assumir tom de naturalidade e não estar associada à compaixão tão somente, e sobretudo, desassociada de qualquer fundamentação religiosa, filosófica ou institucional.

Ser fraterno naturalmente, de forma anônima, sem fazer disso um acontecimento que deva angariar simpatia pessoal e que reverta em popularidade, que invariavelmente é interpretada como uma oportunidade política, e entenda-se política não como a nobre ciência social, mas a política rasteira de cunho partidário e eleitoreiro.

Talvez aí esteja a verdadeira essência do Papai Noel, ou seja, o papel de nos fazer enxergar que devemos ser fraternais naturalmente, pois isso nos faz bem interiormente.

Como personagem, ele é imaginário, mas em termos sutis, o Papai Noel pode ser a metáfora dessa nova ordem fraternal onde presentear as pessoas se torne algo normal e não me refiro a presentes materiais, evidentemente.  

10 comentários:

  1. Concordo com o que seu amigo do Café lhe falou. É o sentido do ato que vale a pena, sempre passei para as minhas crianças isso. O presentear sem pensar na retribuição, sem data específica, isso é o que faz todo sentido, o servir, o compartilhar, porque é isso que deve ser normal.

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    1. Exatamente !

      A ideia da doação, não material, mas emocional e impessoal, é a essência que vale a pena ser preservada, e difundida. O resto é a mediocridade do materialismo.

      Grato por ler e comentar !

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  2. É bom que a boa intenção venha à frente do mito...mas tem a ver com uma época convencional e comercial, remetendo à infância em coletivo, o que é legal também...bem, Allan Kardec diz que - "O egoísmo é a fonte de todos os vícios, como a caridade é a fonte de todas as virtudes." Sem a caridade não há solução!

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    1. A raiz desse materialismo exacerbado que faz do Papai Noel um personagem mega explorado pelo capitalismo, é obviamente motivado pelo egoísmo mais torpe possível.

      É bem por aí, mesmo.

      Grato por ler e comentar !

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  3. Em Natal/RN eles explicam que lá é a cidade do Natal, pois é Natal todos os dias. Se o verdadeiro espírito do Natal se manifestasse diariamente nas pessoas, o mundo que conhecemos com certeza seria outro.

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    1. Gostei dessa boa ideia do povo de Natal, que mais que exaltar sua própria cidade, traz implicitamente uma mensagem mais humana para o "espírito natalino", invariavelmente curto, efêmero e carregado de hipocrisia, cinismo e interesses escusos de cunho capitalista.

      Obrigado por ler e participar, amiga Lourdes !

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  4. Infelizmente o Natal acabou virando mais comercio do que fraternização.
    As famílias, já estão deixando morrer essa magia, onde tudo era perdoado, todos se reuniam numa grande ceia e trocas de presentes.
    Sinto bastante por isso. Gostaria que o Natal, sempre fosse: magia, amor, perdão, caridade, como sempre foi e poucos continuam ainda fazendo isso. Quem sabe, volta a alegria que o Natal transmite.
    Obrigada por compartilhar.
    Abraço!

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    1. A ingenuidade de outrora ainda tinha o mérito de ter uma carga mais próxima do verdadeiro espírito natalino, ou seja, uma suposta celebração pela vida e pensamento de um avatar do nível de Jesus Cristo, com sua mensagem de fraternidade total entre os homens.

      Com o avançar dos tempos e o Natal sendo enxergado apenas como uma oportunidade de beber e comer além da conta, além da "obrigação" de presentear pessoas, isso perdeu o controle e tornou-se apenas a farra anual do comércio; indústria e serviços.

      Eu é que lhe agradeço por ler e comentar, amiga Bete !

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  5. E o velhinho Papai Noel, não sabia a sua origem. Muito interessante. Eu sempre gostei de magia de papai noel, chegar e deixar presentes. Descendo antigamente pelo chaminé .rs.
    Hoje tem o chinelinho na janela. Minha neta faz isso. rs , e fica toda feliz e ansiosa esperando a sua chegada.
    Quando criança, gostava muito de ir no centro da cidade, para ver papai noel, sentado em algumas lojas, e distribuía balas e pirulitos. Eu gostava muito do Natal. Acredito que as crianças precisam mesmo dessa magia.

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    1. Muito legal para mim saber que gostou de saber um pouco da origem do mito sobre Papai Noel.

      Quanto à magia que observa na sua neta, é como o meu amigo do Café observou : a magia é importante para desenvolver a criatividade. Sem isso, o mundo fica cada vez mais cinzento.

      Grato pelo adendo !!

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