Por que se paga muito mais para ver um artista estrangeiro ?, texto de Luiz Domingues.
Juízo de valor é um conceito subjetivo, isso é evidente.
Desde que o mundo existe, as sociedades mais primitivas trataram de precificar tudo, e assim o mundo foi sendo regido, sem perspectiva de uma mudança radical que não baseie a vida em torno de tal paradigma.
O assunto é imensamente amplo e portanto, vou direto ao ponto que quero enfatizar nesta crônica.
No caso específico do Brasil, o estigma de ter sido uma ex-colônia de um país europeu, causou um prejuízo emocional, que na psiquê de nações com história geopolítica igual à nossa, não necessariamente ocorreu também.
Refiro-me à completa baixa autoestima que norteou a alma brasuca, e que por séculos, tem nos aprisionado no paradigma da inferioridade.
Esse complexo terrível que o brasileiro médio tem em relação às outras nações do planeta, incluso países semelhantes, ou em condições socioeconômicas ainda piores do que as nossas, resulta numa subserviência patética e patológica, que gera um sem número de situações vexatórias.
O brasileiro passa muito além do comportamento de simpatia para com estrangeiros, exagerando na dose em demasia, e fazendo com que o tal “calor humano” seja na verdade um ato de absoluto entreguismo, em muitos aspectos.
O cronista/dramaturgo e crítico esportivo, Nelson Rodrigues, cunhou a famosa expressão “Síndrome de Vira-Lata” para designar esse desvio de conduta, alimentada pelo patológico complexo de inferioridade arraigado em nosso povo.
Indo ainda mais direto ao ponto, pois tal tema gera muitos desdobramentos, quero observar uma questão específica com a qual estou acostumado, pois é do meu métier como músico : o show business.
O valor de um cachet é naturalmente proporcional à fama que cada artista consegue adquirir, isso não se discute.
É uma questão óbvia e que demanda a conquista da sua popularidade, mediante sua exposição midiática e é natural que ganhe cada vez mais, conforme cresce seu portfólio, em todos os sentidos.
Mas aí o brasileiro entra com sua famosa síndrome, e distorções ocorrem a todo momento.
O critério para precificar ingressos de shows internacionais, em relação aos espetáculos de artistas nacionais, é de uma discrepância assustadora.
Por que ?
As desculpas são muitas e quase nenhuma é convincente o suficiente.
Vejo pessoas falando que o valor exorbitante se justifica pelo fato do artista estrangeiro não vir com regularidade ao nosso país.
Isso era um argumento relativamente válido até trinta anos atrás, pois faz tempo, o Brasil entrou na rota internacional das turnês dos grandes artistas.
E pelo contrário, nos últimos anos, pelo fato do Brasil ter sido um dos raros países do mundo a não entrar em recessão profunda pela turbulência da crise mundial de 2008, nosso país virou um porto seguro para muitos artistas que estreitaram o espaço entre suas visitas.
Muitos se aproveitaram dessa oportunidade e incluíram mais cidades brasileiras nas suas tours, saindo da obviedade de fazer shows apenas em São Paulo e Rio de Janeiro.
Pelo contrário, tornou-se comum artistas internacionais fazerem shows até em cidades interioranas, o que é ótimo, é claro.
Artistas de médio e até pequeno porte, afinaram seu faro e o Brasil virou um país apto a receber shows para todos os gostos, com bastante profusão.
Outra desculpa comum, é a de que a cada vinda do artista, é melhor não perder a oportunidade de vê-lo ao vivo, pois ele pode demorar a voltar, e falecer, não havendo outra chance.
Ora, ao que me consta, artistas brasileiros também estão sujeitos à morte física, e se em tese, deixo de assistir um show deles, também abro a possibilidade de não haver outra chance na prática, caso ele “parta desta para a melhor”...
E convenhamos : tem artista estrangeiro que tem vindo com tanta frequência ao Brasil, que praticamente já fala português com certa desenvoltura...
Indo além, são inúmeros os casos de artistas internacionais que até tem residência temporária ou fixa no país.
Apesar dessa frequência cada vez maior, velhos hábitos brasucas não mudam.
Um exemplo disso é a famosa “Síndrome de Vira Lata”, típica e de certa forma, crônica (espero que não !!)...
O artista estrangeiro, independente de sua qualidade, e aqui não cabe esse julgamento técnico, embora em muitos casos isso deva ser levado em consideração, só por ser estrangeiro nem precisa cobrar demais, pois o próprio brasileiro fará questão de lhe pagar um cachet astronômico.
Está impregnado na nossa alma, que o sujeito é “superior” a nós, só por ser estrangeiro e se for anglo-saxão então, o encantamento é ainda maior. Basta falar inglês e já entra em campo ganhando o jogo de 10 x 0, ou 7 x 1 , que é um placar na moda...
Em detrimento disso, para convencer o público a pagar ingresso até dez vezes mais barato do que pagariam aos “gringos”, para ver um artista brasuca, é uma luta quase inglória e quem for do meio e estiver lendo esta crônica, certamente haverá de concordar comigo.
Resumo : Para quem achava que o fato do Brasil ter entrado há muito tempo na rota do circuito de shows do planeta, isso seria uma porta aberta para o fomento da cultura e de seus artistas locais, houve um ledo engano.
De fato, a infraestrutura para fazer shows melhorou muito, com equipamento de som e luz compatíveis com o padrão de primeiro mundo; existem muitas casas de espetáculos com essa infra e logística; estádios e arenas surgindo principalmente no pós-Copa, em condições tão boas ou até melhores que estádios americanos e europeus; temos tecnologia etc etc.
Contudo, a patologia brasuca não foi curada...esqueceram de contratar um mutirão de psicólogos, psicanalistas e terapeutas holísticos para promover essa cura da alma mater tupiniquim...
E nesses termos, enquanto não mudarmos essa mentalidade de inferioridade atroz que nos corrói, seremos por muito tempo um povo que sempre estenderá tapetes vermelhos aos estrangeiros, não por sermos calorosos e bons anfitriões, mas por acharmos que eles são “superiores” e merecem por isso, sempre serem tratados com o exagero e a vergonhosa subserviência.
Concordo em gênero, número e grau com sua colocação de idéias. Antes de ler sua crônica, só pelo título, já tinha a resposta na ponta da língua.
ResponderExcluirSéculos de complexo de inferioridade, baixo auto-estima fossilizados no DNA do brasileiro, é que levam essa predileção pelo artista estrangeiro, levando o "fã" a guardar lugar "acampando" na porta do evento por dias a dias, como se isso fosse a razão de sua vida e nem sempre por artista de qualidade, a pagar quantias exorbitantes pela entrada, além do ego em dizer ao amigo que fez e aconteceu, que participou do "meet and greet "com seu ídolo, fora outras coisas para demonstrar "todo seu amor", e pelo artista nacional, se não estiver na mídia televisa global, nem tocando de graça...
Realmente muito triste essa Síndrome de Vira Lata.
Quero deixar bem claro que não levanto nenhuma bandeira. Artista bom é artista bom independente da nacionalidade e merece nossa estima e atenção!!
Parabéns pelo tema!
Muito boas as suas observações, amiga Jani.
ExcluirDe fato, a síndrome de vira lata é um fator que precisa ser extirpado da mentalidade do brasileiro, pois do contrário, continuaremos vivendo essa situação desagradável, onde o artista nacional é desprestigiado e o internacional, superestimado.
Claro, entendo a sua ressalva e compactuo da mesma ideia, ou seja, não tenho nada contra os artistas internacionais, pelo contrário, gosto imensamente de diversos deles.
O que critico é a questão da subserviência cega, e creio ter sido bem claro na matéria.
Grato pela visita e riquíssimo comentário que só agregou ao debate que sugeri.
De um Pais que cultua a bunda, e o mal gosto musical não se pode esperar muita coisa rs...temos sim artistas de qualidade ''e muita'' que não são divulgados pela mídia, cantora se resumiu em Ivete Sangalo e Cláudia Leite,Valezca popozuda, atriz a Bruna Marquezine...cantoras de qualidade como Gal costa entre outras foram esquecidas...é um tema polemico mesmo, existe vida'' artistas'' inteligente e de qualidade no Brasil que merecem ser reconhecidos, não apenas as atrações de fora que já estão com a vida ganha.
ResponderExcluirAmigo Kim : de fato, se cultuamos a bunda, por extensão, a matéria fecal que grassa no atual panorama musical brasileiro, graças à invasão da subcultura de massa, é absolutamente previsível, com o perdão da metáfora escatológica.
ExcluirEsquecemos Gal, que era Le-Gal e Fa-Tal, em detrimento de figuras tristes que dizem ser artistas musicais, mas que sabemos bem que não o são.
Essa questão que você levantou, é um dado a mais nessa receita triste, isto é, não é só a subserviência ao estrangeiro que nos atrapalha, mas tudo o que você disse, também.
Grato por ler, trazer adendo rico e pertinente e também por torcer por dias melhores para a música brasileira, porque não está nada fácil conviver com esse estado de coisas.
Penso que é fato essa questão da auto estima baixa do brasileiro em geral, mas, cada vez mais sabemos, o custo Brasil vem sendo, também, reconhecido e 'denunciado', com qualquer tipo de bem de consumo ao cultural como altíssimo! Aí, caímos, na outra armadilha brasileira a ser tratada... a de 'ser esperto' que talvez seja efeito colateral da auto estima baixa mesmo!
ResponderExcluirOi, Telma !
ExcluirImpressionante como esse tema sucinta diversas nuances. Você traz outra visão agregadora, diferente do que foi dito pela Jani e pelo Kim, acima. E todos tem razão, com observações pertinentes.
No caso da cultura da malandragem, é um viés avesso, mas curiosamente presente, apesar de parecer dispare.
Contudo, se analisarmos à luz da psico-antroposociologia, verificaremos que tal traço da personalidade brasileira, é também um sintoma patológico oriundo da baixa autoestima, ou complexo de inferioridade, como queiram.
Portanto, o brasileiro se acha inferior, e quando depara-se com o estrangeiro, a quem cultua como "superior", usa de duas reações, ambas patológicas :
1) É subserviente, como descrevi na matéria, ou ;
2) Se coloca como "malandro" que se orgulha de aplicar pequenos golpes e assim, ameniza o seu complexo de inferioridade, sentindo-se "importante".
Dessa forma, seja qual for o viés, trata-se de uma reação lamentável e que enquanto persistir na alma brasuca, atravancará o nosso real progresso enquanto nação e civilização.
Grato pela rica participação nessa discussão !
Eu mais que "super concordo". Falou e disse meu amigo!
ResponderExcluirAmiga Lourdes :
ExcluirNossa sintonia nessa questão é total. Fico feliz por sua visita e manifestação de apoio !
Oi, Luiz
ResponderExcluirConcordo com tudo o que você escreveu, e podemos ir mais além. Teu texto serve para o cinema brasileiro, os produtos industrializados e sei lá mais o quê. Eu já ouvi pessoa falar que não assiste filmes brasileiros, por que é tudo ruim. Outros só compram carros importados. Vejo eletrodomésticos importados e caríssimos nas lojas. Perguntei se vendem, e me disseram que vende muito bem, pois tudo que é importado é melhor. Pode?
O filme "O Menino e o Mundo" teve o mesmo público de 35.000 pessoas na França e no Brasil, mas na França foi em 7 dias e no Brasil em 7 semanas!
Brazuca é o termo usado em Portugal para inferiorizar os brasileiros que moram lá, ou seja, tem conotação ruim.
E, alguns músicos brasileiros fizeram mais sucesso fora, do que em seu próprio país, por exemplo, Baden Powell. Outro dia, falei dele para uma pessoa e ela disse que nunca tinha ouvido falar dele.
Essa mentalidade brazuca tem que mudar, mas isso mexe com "poderosos".
Abraços!
Oi, Janete !
ExcluirExatamente !!
O texto focou no mundo da música, mas na verdade adequa-se a inúmeras outras situações.
Suas observações foram muito felizes, e o exemplo que usou, da animação brasileira "O Menino e o Mundo", é um bom exemplo dessa disparidade que existe entre o que é cultuado pelos brasileiros, oriundo de países estrangeiros e a produção nacional.
É mais fácil o brasileiro dizer que Baden Powell é o inventor do escotismo, do que o grande músicos que foi, confundindo-o com o homônimo.
De fato, acho que muita coisa precisa mudar e tudo começa com uma palavra chave : educação...
Grato pela rica participação e adendo importante !!