segunda-feira, 2 de junho de 2014

Steve Jobs, Internet, Compartilhar...

       Steve Jobs, Internet, Compartilhar...texto de Luiz Domingues.

Em meio à discussão acalorada sobre o marco civil da internet no Congresso Nacional, acho que vale a pena trazer à tona algumas considerações sobre o uso da rede livre de computadores.

Para início de conversa, não é lenda urbana como alguns afirmam, que o conceito da Internet livre tem uma raiz muito forte no movimento Hippie, dos anos sessenta.

Muitos de seus idealizadores, foram Hippies de fato, e portanto bastante entusiasmados com conceitos de fraternidade, que eram típicos daquela filosofia de vida proposta por seus seguidores.

Dentro desses parâmetros, um desses entusiastas das ideias fraternais propostas pelos hippies, era um jovem chamado Steve Jobs, que também era apaixonado por tecnologia.

No final da década de sessenta, dois fenômenos aconteciam no estado da Califórnia : o movimento Hippie e o agrupamento de indústrias de tecnologia no Vale de Santa Clara, que ganhou o apelido de "Vale do Silício".

Jobs transitava com entusiasmo entre os dois mundos e não é exagero dizer que muito de suas futuras realizações, foram profundamente influenciadas pelo fato de ter sido um hippie.

Ouvindo Bob Dylan o dia inteiro, ideias borbulhavam em sua cabeça.

Foi à Índia, numa típica incursão espiritualista que todo hippie potencialmente sonhava realizar, e travou contato com conceitos do Zen Budismo. A simplicidade e a bondade, como conceitos a serem adotados por toda a vida, lhe fizeram bem.

Claro que teve seu envolvimento com as drogas alucinógenas, mas a experiência do "mind expansion" parecia não ser o melhor caminho para se atingir uma nova consciência, e se criar daí, uma sociedade realmente fraternal.

Abrir a cabeça e enxergar além, era apenas um passo e pela indução das drogas, o estrago inerente causado como efeito colateral, não era nada saudável (e de fato, foi fator preponderante para o declínio do movimento, infelizmente).

Haviam pontos de divergência, é bem verdade. Hippies mais puristas, enxergavam os computadores como ferramentas de opressão da sociedade totalitária e consumista que abominavam. Mas é cabível considerar que no final dos anos sessenta e início dos setenta, a internet era restrita ao metier das universidades e serviço secreto governamental, portanto nem um pouco popular, e dessa forma, antipática e assustadora a serviço de forças realmente opressoras da parte de instituições governamentais.

Abro um parênteses para recomendar um filme produzido em 1970, chamado "Collosus, The Forbiden Project" (leia resenha sobre tal filme, em meu Blog 1 :http://luiz-domingues.blogspot.com.br/2012/11/colossus-forbin-project-por-luiz.html), que retrata bem a maneira como os computadores eram vistos pelas pessoas naquela ocasião.  

Jobs conheceu outro hippie e gênio da tecnologia, chamado Steve Wosniak, e dessa parceria resultaria a Apple, empresa por ambos fundada e que entraria no mercado para transformar o mundo.

Ainda em 1976, criou seu primeiro protótipo de um computador para uso doméstico.

Até a metade dos anos setenta, a imagem que as pessoas tinham de computadores, era a de máquinas monstruosamente grandes, e circunscritas a salões enormes e cheios de técnicos de jalecos brancos e pranchetas à mão, fazendo anotações indecifráveis.

A ideia de ter um aparelho em casa como um eletrodoméstico, parecia apenas devaneio de filmes do Sci-Fi ou do desenho animado futurista, "Os Jetsons", onde aliás, certas coisas que eram fantasiosas na época em que o estúdio Hanna-Barbera criou tais personagens, já são corriqueiras e de certa forma até ultrapassadas na sociedade...

Em 1977, a dupla Jobs/Wozniak lançou o Apple II, o primeiro computador caseiro que apresentava imagens em cores.

Já em 1980, a empresa dos "freak brothers" Jobs & Wosniak, tinha um patrimônio de 2 bilhões de dólares, que era muito dinheiro para aquela época (e para a maioria dos pobres mortais, dos quais me incluo, continua sendo...).

Não parando de criar e ousar, vieram mais produtos e mudanças significativas que consolidaram a empresa nos anos oitenta. A ideia do "mouse", por exemplo, que Jobs assumidamente disse ter concebido após conhecer as empresas de eletrônicos do Japão e o inerente conceito oriental de miniaturização. A nanotecnologia precisava ser dominada e incorporada ao produto.

Um paradigma era o mote com o qual trabalhava : "Invenção e Inovação = execução". Essa era a diferença que transformava a ideia em realidade.

E além de pequeno e usual, o produto tinha que ser simples no seu manuseio para o consumidor leigo, tirando todo o ranço de que só "cientistas" usavam computadores.

Sofrendo pressões terríveis, Jobs acabou deixando a empresa que fundara e criou a NeXT. Anos depois, a NeXT foi comprada pela Apple e Jobs voltou à empresa que fundara, agora sendo o seu CEO.

A empresa teve novo boom de popularidade com sua volta, pois Jobs era uma estrela do mundo corporativo, muito além do conceito do bilionário bem sucedido, mas principalmente pela imagem zen que trazia, contrastando com o executivo padrão, obcecado por dinheiro e nada sensível às reivindicações socioambientais.

Pelo contrário, por ter a imagem de um Hippie "descolado", Jobs criou um conceito para a empresa, de que ela era também engajada em tais ideais e que tudo girava em torno de conceitos de fraternidade, bondade e compartilhamento.

Claro que não é bem isso, mas a imagem criada de uma empresa Hippie Chic, certamente amenizou a sua imagem e em comparação com outras mega empresas, é muito "menos odiada" por militantes socioambientais, ecomilitantes e anarquistas em geral, do que a Coca-Cola, Ford, Disney, McDonald's, os Bancos e todo o pessoal de Wall Street, sem dúvida.

Em relação à Rede Mundial de Computadores, Jobs tinha em mente o conceito de "Empacotar a Internet", para distribui-la em cada lar.

A ideia da internet ser livre, com o compartilhamento total de informações, era o sonho hippie anti-Establishment se concretizando.

De quem é o legado da civilização construída ao longo de séculos ? Não é da humanidade ? Que droga é essa de ter que pagar para obter uma informação ?

Pois é, o lado hippie de Jobs e Wosniak queria a internet livre, com cada cidadão tendo o seu equipamento livremente em casa para acessar à vontade.

Claro, o lado materialista era presente também. A internet tinha de ser livre, mas para acessá-la, você precisava ir á loja da Apple e comprar seu microcomputador. E depois os acessórios; depois os programas; depois contratar a empresa provedora da banda larga etc etc...

Enfim, Hippie até a página dois do manual capitalista, mas convenhamos, melhor isso do que o modelo que as corporações desejavam/desejam, com a internet sendo fatiada para eles a explorarem como as empresas de TV a cabo fazem quando vendem seus "pacotes", fatiando as opções para fazer com que o consumidor pague o máximo para ter direito a todos os canais, quando moralmente falando, a taxa mínima deveria dar o mesmo direito.

Isso sem contar o famigerado "Pay-Per-View", que considero um mecanismo de achaque amoral. Se você já paga por um serviço, com que direito o seu fornecedor estabelece fragmentá-lo para criar patamares de cobranças adicionais para só assim disponibilizá-los ?

Com esse precedente abominável, o que falta para cobrar o "pay-per-view advanced" ?

Seria algo como : "não basta pagar a TV a Cabo para ver um jogo de futebol ao vivo, mas na verdade, você precisa comprar o Pay-per-view. Contudo, no "advanced", o consumidor teria que pagar uma terceira taxa, para liberar o sinal do segundo tempo da partida"...

É mais ou menos o que as corporações querem fazer da Internet e espero que nossos parlamentares não cedam às pressões, mas falando realisticamente, com o dinheiro que está em jogo, alguém tem esperança que os "representantes do povo", pensem no povo, enfim ?

Bem, Steve Jobs e Steve Wosniak ficaram conhecidos pela alcunha de Lennon & McCartney da informática. Há quem discorde e ache exagerado, mas numa primeira leitura, acho que tem uma similaridade, sim, e essa atribuída escala de valores, faz sentido.

No tocante ao conceito de compartilhamento de informações, cultura & afins, a internet nasceu fechada e secreta, mas graças aos hippies nerds que se infiltraram nas universidades, o conceito Hippie de compartilhamento espalhou-se.

O que temos hoje em dia, é algo próximo do que os Hippies dos anos sessenta sonharam para o futuro da humanidade. Não é o ideal que queriam, mas hoje a temos com concessões ao capitalismo selvagem de Wall Street e seus seguidores.

Cabe à nós, usuários, pressionarmos os políticos a domarem a sua sanha e das corporações, para não haver um retrocesso total e a internet se tornar um império todo fatiado e inacessível para nós todos.

Deixo a dica de um bom documentário que assisti, para entender um pouco melhor a vida e obra de Steve Jobs, chamado : "Steve Jobs, um Hippie Bilionário" :

https://www.youtube.com/watch?v=03jV3sebUrI&feature=youtube_gdata_player

Para escrever esta matéria, tive o apoio da amiga Jani Santana Morales que deu-me valiosas dicas sobre Jobs e Wosniak. Agradeço-a efusivamente por isso.

10 comentários:

  1. Excelente o artigo. Muita coisa eu não sabia. E concordo com a visão aqui exposta de que a origem seria mesmo vinda dos Hippies.

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    1. Sensacional ter a opinião de uma formador de opinião, que escreve com desenvoltura como você, amigo Elmo !

      De fato, mesmo se não pensarmos em figuras exponenciais como Jobs e Wosniak, em seus primórdios, a internet nasceu mesmo sob pilares Hippies de compartilhamento fraternal.

      Muito grato por ler e comentar !!

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  2. Excelente texto, espero que o acesso a internet melhore aqui no Brasil, principalmente nas regiões Norte e Nordeste, que todos possam realmente compartilhar do conhecimento que a web oferece.
    Luiz, eu que te agradeço!!!

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    1. Obrigado por todo o suporte que me deu para a pesquisa que embasou este texto !!

      De fato, a internet tem que ser livre e solidária.

      Grande abraço, Jani !

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  3. Oi, Luiz

    Adorei o artigo, ainda mais tratando de um dos meus ídolos: Steve Jobs. Aliás, estou lendo a biografia dele. Um calhamaço!!! É interessante, pois não é uma biografia que o elogia. Às vezes, cita fatos em que mostra que Jobs era uma pessoa terrível de se conviver. E o mais interessante, é que ele aprovou (em vida) a biografia. O contrário de Caetano e afins...
    Acho que ele nem se importava de falarem qualquer coisa dele.
    Agora, essa história do que as corporações querem fazer com a Internet é a oportunidade de algumas pessoas enriquecerem mais ainda, às custas de nosso dinheiro. A Internet é uma ferramenta que já possuí milhões de usuários. Imagine cobrando deles!!!
    É... mudam-se os governos, mas a ganância pelo dinheiro e poder continuam. Isso me faz lembrar do livro A Revolução do Bichos de George Orwell.
    Parabéns! Pelo artigo!
    Abraços
    Janete

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    1. Fala, Janete !

      O grande problema não é o sistema de governo. A dicotomia esquerda-direita não faz mais nenhuma diferença, pois quem senta no trono do poder se deslumbra e muda seu comportamento, por uma questão de ego, simples assim.

      Jobs ajudou a criar a internet sob ditames hippies de fraternidade, mas foi sendo domado pelo sistema. Mesmo ainda o considerando um hippie "do bem", a simples menção de que seus inventos foram sendo lançados no conceito de durabilidade mínima, sempre sendo sobrepujado por outro lançamento mais moderno, denota a rotatividade materialista do capitalismo, não tem jeito...

      E por fim, ninguém é perfeito. Claro que não me surpreendo em saber que na sua biografia autorizada, tem pontos negativos de sua personalidade. Agora, fora a sua genialidade científica e espírito empreendedor, realmente ao contrário de Caetano, Roberto Carlos e outros, ter autorizado a sua biografia, mesmo mostrando pontos desagradáveis, foi outro golaço que marcou em vida.

      Super grato por ter lido e comentado !!

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    2. Oi, Luiz

      Você tem razão. E o que eu queria dizer era justamente o que você disse: quem senta no trono, muda o comportamento.

      Há alguns anos, assisti a um documentário sobre o Japão. Mais sobre a cultura japonesa.
      Um dos pontos do documentário foi sobre a tecnologia. Lá, tudo é meio que descartável. Feito para durar pouco. E, quando perguntaram a um engenheiro eletrônico por que os produtos duram pouco, ele respondeu bem o que você comentou: era para lançarem outros produtos mais modernos. E as pessoas compram novos produtos, por que gostam de novidades mais modernas.
      E lá, acredito que as coisas são mais baratas, do que são para nós, logo, ninguém se importa em comprar.
      Isso não é uma só característica do Jobs. É da cultura japonesa.
      Para nós, brasileiros, é impossível.
      Meu celular, por exemplo, já tem quase 3 anos!!!

      Abração!

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    3. Dentro desse raciocínio, se houvesse um padrão japonês de prática do capitalismo, onde produtos novos não fossem cobrados em preços extorsivos, tudo bem haver essa troca frenética. O problema é que aqui é duro para a maioria conseguir comprar e quando o consegue, após saldar 12 prestações altas, seu bem eletrônico está obsoleto. Isso não é justo.

      Grande abraço !!

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  4. Solidário!Você o é Luiz!!!Mais um excelente artigo!!!

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    1. Que bacana o seu comentário, Kôlla ! Estou muito feliz por saber que está acompanhando os artigos !

      Abraço !

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