terça-feira, 6 de maio de 2014

Educando o Cidadão.

     Educando o Cidadão, texto de Luiz Domingues.

Vivemos em sociedade, em meio à inúmeras demandas. As necessidades estruturais são múltiplas para que possamos viver com conforto, bem estar, segurança e sobretudo usufruindo do meio ambiente e suas reservas naturais.

Contudo, essa equação é dificílima de se fechar, na medida em que tudo, absolutamente tudo, depende do dinheiro para ser movimentado.

Pareço óbvio falando isso, mas pense bem : se tudo depende do dinheiro, é justo que cada um dê uma contribuição pessoal para que se providencie obras fundamentais, visando suprir as necessidades de interesse de todos.

Caramba, outra obviedade. Isso existe desde a antiguidade, quando ainda nas civilizações mais rudimentares, percebeu-se que sem tal esforço coletivo, nenhuma providência para o bem estar do grupo, poderia ser feita.

Concomitantemente, a tentação de se lidar com o dinheiro arrecadado pela coletividade, era o caminho aberto para o ego humano desenvolver essa patologia chamada "corrupção", e assim a humanidade foi caminhando, nessa relação pouco saudável.

Mas esta matéria não é sobre ética, apesar de ser inevitável mencionar a questão da lisura, quando se fala de erário público, tributação e governo.

O que quero enfocar hoje é a formação do cidadão, sob o ponto de vista educacional.

Evidentemente que a sociologia engloba o assunto de uma forma muito ampla, distribuindo entre várias vertentes das ciências sociais, tais estudos que nos ajudam a entender os meandros da organização social como um todo. O que é público e o que é privado, como se complementam etc etc.

Mas como formar o cidadão comum, no básico, é a questão, pois parece ineficaz considerar que tais estudos se restrinjam aos estudantes de Ciências Sociais.

Independente de quem queira seguir esse caminho acadêmico e se especializar em suas múltiplas graduações, o cidadão médio deveria saber o básico sobre o funcionamento da máquina pública, a meu ver.

E essa máquina, é gigantesca, cheia de subdivisões e por que não dizer, contradições.

Se para um estudante de sociologia, economia, ou direito, já é complexo tentar compreender as entranhas dessa máquina monstruosa (o "monstruosa" aqui, tem duplo sentido, eu sei), imagine para o cidadão comum.

Só que tem um detalhe nessa predisposição que considero fundamental : estamos no século XXI, e não tem cabimento que o cidadão que paga impostos (e tudo o que consome é tributado, fora os impostos por bens, renda e serviços), não saiba como esse dinheiro é usado, nem com funciona a máquina pública.

Já estou imaginando leitores me achando ingênuo por escrever isso, pois há séculos que o modus operandi das autoridades é o de não explicar nada, e não favorecer nenhuma ação que propicie transparência sobre o funcionamento da máquina. 

Eu sei disso. Falo sobre o que seria ideal, não sobre o que é errado desde que a humanidade começou a organizar-se.

Quando a ditadura militar apertou para valer, após a promulgação do AI-5, os militares baixaram decreto instituindo a obrigatoriedade da matéria "Educação Moral e Cívica" no ensino fundamental (ainda no final da era do curso primário e posterior curso ginasial); "OSPB" (Organização Social e Política Brasileira"), no ensino médio e "EPB" (Estudo dos Problemas Brasileiros"), no ensino superior, além de militarizar as aulas de educação física, com a "ordem unida".

No discurso, ou desculpa para falar o português claro, a ideia era ensinar as crianças e adolescentes a conhecer o funcionamento da sociedade, mas isso era uma grande mentira.

O objetivo era outro, com a exaltação do nacionalismo, incutir valores religiosos quase explícitos, sendo que o estado deveria ser laico, e o pior de tudo, desestabilizar a capacidade de reflexão, instituindo a obediência como valor máximo a ser observado.

Para corroborar com tal estratégia, os militares instituíram licenciaturas de curta duração nos cursos superiores, quebrando os cursos de História, Geografia, e assim incentivando a formação de professores muito despreparados para ministrar as aulas de Educação Moral e Cívica nas escolas, o mais rápido que podiam.

Quando a ditadura acabou, tais cursos foram suspensos, enfim.

Não sou professor, portanto não tenho elementos para opinar com profundidade sobre a pedagogia.

Todavia, tenho em mente, que o cidadão tem o direito de entender o funcionamento da sociedade, desde o ensino básico, pois é condição básica do exercício da cidadania.

Se alguém joga um papel de bala na calçada, precisa ter a consciência do dano ambiental que aquilo causa à coletividade. Por exemplo, se as pessoas tivessem a consciência de que é errado jogar lixo nas ruas, quanto economizaríamos com as enchentes que atormentam as cidades a cada temporal ?

Se não houvessem enchentes, quanto se economizaria em saúde pública, considerando que enchentes são caldos asquerosos e repletos de bactérias ?

Quanto a zoonose gastaria menos, não tendo a proliferação de insetos, ratos e baratas que tal sujeira causa ?

Esse exemplo do papel de bala, é só um item dessa equação. Quantas outras questões de civilidade não poderiam ser tratadas em sala de aula, desde a tenra infância ?

E a máquina em si, como funciona ? 

O que faz exatamente o prefeito, o governador e o presidente ? Como se arrecadam os impostos e como se distribuem entre as três instâncias ?

Qual é o papel do legislativo ? Para que serve um vereador, deputado estadual, deputado federal e senador ?

O que são as secretarias que servem o poder executivo ? Para que servem os ministérios ?

O que é o tribunal de contas ?

Quem define a saúde, agricultura, segurança ?

Quem traça os planos da educação, infraestrutura, abastecimento, energia ?

O que é o Ministério Público, o que é defensoria ?

O que são autarquias ? 

Aposto que 95 % (ou mais), das pessoas que foram ás ruas na onda de protestos de 2013, não sabem responder essas perguntas, infelizmente.

E se no bojo, eu reconheço que os protestos tinham a legitimidade democrática de demonstrar a insatisfação generalizada, tais protestos pareciam uma briga de bêbados no escuro, tamanha a confusão que denotavam, com pessoas protestando sem um critério adequado, cobrando reivindicações de autoridades que nem tratam dos itens que estavam lhe cobrando.

Pedir para o prefeito abaixar o preço das hortaliças nos supermercados ou para o presidente cuidar da segurança pública, ou mesmo o governador tomar providências sobre o mau estado das estradas federais, são exemplos clássicos de confusão que as pessoas fazem sobre a atribuição de cada instância.

E não para por aí. Cobram posturas dos parlamentares, como se fossem do executivo e vice-versa. Cobram da polícia providências que são concernentes ao judiciário etc etc.

Portanto, sou a favor da matéria de estudos sociais, nas escolas fundamentais e médias, mas sem aquele ranço de interesses escusos da ditadura militar com sua "Educação Moral e Cívica", mas sim criando um conteúdo onde fosse explicado aos jovens, como funciona a rés pública e como devemos ser solidários para ter o melhor convívio possível, levando o país, enfim, para o padrão de 1º mundo.

Fazê-los entender que a cidade é uma extensão de nossa residência, é fundamental. Quebrar o paradigma de que a rua não merece consideração porque "não é de ninguém", além de contribuir para transformar a cidade num lixo decadente, é um caminho permanente para a roubalheira da corrupção (sei que existem outros fatores e não é só isso que acabaria com a corrupção).

Quando cada cidadão considerar a rua como sua casa, de fato, a mentalidade generalizada vai ser a de querer manter tudo limpo, o tempo todo. Bem iluminado, com equipamento público em perfeito funcionamento e isso gera baixa criminalidade, ausência de vandalismo, solidariedade, fraternidade etc.

Utópico em primeira leitura, eu sei. Mas se em países como a Nova Zelândia, Dinamarca, Finlândia, Canadá, Alemanha, Austrália, Bélgica, França e outros, isso que descrevi é quase uma realidade, penso que o segredo é a educação e troca de paradigma.

Talvez demore para chegarmos nesse patamar, mas não acho impossível. Veja o exemplo da Coréia do Sul e o salto que deu quando passou a investir pesado na educação.

A própria revitalização de Seul, com a despoluição do rio Han, é um exemplo. Até bem pouco tempo atrás, era um rio putrefado como o Tietê, com o povo acostumado a jogar detritos nele, como se não se importassem com sua morte.

Quando o rio passou a ser encarado como um patrimônio da cidade, tudo mudou.

A transformação da sociedade começa na mudança individual do cidadão.

Mesmo porque, se eu não ligo para a minha cidade ( e por extensão, estado ou país), abro o caminho para que as autoridades também pensem igual, e com aquela montanha de dinheiro arrecadado nos cofres públicos...

E tem um dado a mais : De onde vem os políticos ? De onde saem os funcionários públicos de carreira ? De onde saem os parlamentares, e os membros do judiciário ?

Pois, são pessoas como nós, do mesmo povo...

E se a mentalidade do povo é a de não considerar o bem público, por que você acha que eles pensariam diferente, se são pessoas da mesma formação cultural, educacional e nacional ?

O que adianta cobrar seriedade e lisura, se você continua passando o semáforo vermelho, acha normal jogar lixo na rua, não economiza água, desperdiça comida, não respeita filas, destrata pessoas humildes e idosos etc etc etc ?

5 comentários:

  1. Realmente deve-se ensinar as crianças desde cedo as informações devidas para que se criem adultos conscientes do que são, de seus direitos e deveres.
    Mesmo que demore uma década ou mais. Tem que se começar.
    Afinal:

    "O poder de um povo está no conhecimento.

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    1. Complementando: Não quero passar a responsabilidade para as próximas gerações. Desde pequena escuto dizer que o Brasil é o país do futuro, sempre "passando a bola" e nada do gol.
      Nossa parte tem de ser executada também.

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    2. Pois é, Jani. Também acho que a educação do cidadão deve iniciar-se desde a tenra infância.

      Essa questão do"futuro" é emblemática, pois denota a famosa metáfora do dono da carroça que motiva o seu burro a puxá-la, mediante uma cenoura pendurada na ponta de uma vara de pescar a qual o pobre bicho-escravo jamais alcança.

      O "futuro melhor" só é possível com ações concretas no presente.

      Grato por ler e participar com um rico comentário !

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  2. Everton !

    Antes de mais nada, agradeço sua visita e participação com comentário, em meu nome e do dono deste Blog, do qual colaboro.

    Procurei sua postagem no Google+, mas não consegui encontrá-la, infelizmente. Fiquei sem saber sobre o seu ponto de vista sobre o tema.

    Mas claro que, a despeito de seu teor, apoiando ou discordando, não tenho dúvida de que são bem embasados.

    Se o encontrar doravante, volto aqui e o repercuto, com muito prazer.

    Grato !

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