segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Prazer e Dor.

  Prazer e Dor, texto de Luiz Domingues.


A questão da alimentação vegetariana, versus hábitos carnívoros da maioria das pessoas, sempre gerou controvérsia.

A despeito do movimento vegetariano ter crescido vertiginosamente nos últimos anos, ainda existe um escárnio por parte de não adeptos desse tipo de alimentação.

Não faz muito tempo, havia um comercial de TV que ironizava desdenhosamente os vegetarianos, reduzindo-os à idiotas, em detrimento dos carnívoros convictos, que estes sim, tinham uma vida saudável e feliz, justamente por estarem alimentados por proteínas animais.

Um pseudo "Guru", pálido e de voz monocórdica, dizia ser feliz por alimentar-se de "brotos de bambu", contrastando com a imagem de jovens bonitos e bem vestidos, jantando numa churrascaria.

Sem dúvida, um golpe muito baixo, ou no mínimo "deselegante", como diria aquela jornalista da TV...

Bem, embora seja vegetariano, jamais fui "militante da causa".

Apenas não consumo carne na minha alimentação, abstendo-me de qualquer ação no sentido de tentar "convencer" outras pessoas de que o meu hábito é mais "saudável", mais "humano" em relação à crueldade perpetrada contra os animais etc etc.

Posto isso (tomo esse cuidado porque jamais escrevi sobre esse tema anteriormente, e tenho uma certa bronca de radicalismos por parte de adeptos do vegetarianismo), chamou-me a atenção o fato de que a Câmara Municipal de São Paulo, acaba de aprovar uma Lei que está gerando bastante polêmica, mesmo com a ressalva de que o prefeito ainda tem o poder de veto final, e convenhamos, será bastante pressionado pelo setor que será prejudicado diretamente se a Lei for sancionada.

Estará proibida a comercialização de "Foie Gras" nos restaurantes da cidade, e venda no comércio.

Ora, uma Lei radical desse porte, prejudica uma infinidade de pessoas. A começar pelos restaurantes de culinária francesa, que são inúmeros em São Paulo, amplificando-se na rede de comércio que lida com tal produto, e evidentemente, sua cadeia produtiva primordial, os criadores de patos e gansos.

Essa iguaria, o Foie Gras, é um alimento que remonta à remota antiguidade. Há registros de seu consumo, datados de 2500 anos antes de Cristo.

Os romanos, chamavam a iguaria de "iecur figatum", que significa "fígado engordado com figo". Era uma alusão ao fato de que o fígado de patos, gansos e marrecos, ao serem inchados pelo hiper consumo de figos, tornavam-se saturados de gordura natural, portanto, muito mais saborosos, e amanteigados, segundo os gourmets.

Tal hábito solidificou-se Idade Média adiante, e tornou-se um ícone da culinária francesa, portanto associado à uma aura de alimentação sofisticada.

Na prática, o Foie Gras é o fígado dessas citadas aves, adulteradas por uma hiper alimentação. Nessa disfunção hormonal advinda dessa prática cruel, o objetivo é alcançado quando o fígado satura-se de gordura, tornando-o mais "apetitoso".

Ora, para que o fígado desses animais chegue nesse estágio, a alimentação forçada a que essas aves são submetidas, não é nada agradável.

Inacreditável o mal estar que lhes é impingido nesse processo, tornando sua vida um martírio.

E sem intenção de fazer afirmações panfletárias, mas inevitavelmente o fazendo, a pergunta é : que vida ?

Se tais aves são encaradas meramente como um produto de consumo, que preocupação teriam em lhes proporcionar bem estar, e a perspectiva de uma vida feliz na natureza, com direito à uma morte natural ? O que o empresário ganha com isso ?

A discussão é ampla, eu sei. Não vou perder tempo para falar de outras práticas cruéis perpetradas contra outras espécies, para não perder o foco, embora a raiz seja a mesma...

Em 2004, o governador da California, Arnold Schwarzenegger, proibiu o consumo de Foi Gras obtido com métodos cruéis, nesse estado.

Leis semelhantes estão em vigor em 15 países, a maioria da Europa, com excessão de Argentina e Israel, signatários da mesma causa.

Os produtores alegam que é da natureza das aves, armazenarem alimentos. Outro argumento que usam para se defender, é que a elasticidade natural da garganta deles, faz com que o método de empurrarem uma carga impressionante de alimentos goela abaixo, não lhes incomoda, pois não sentem ânsia. Será ??

Bem, há muito o que evoluir nessa relação homem-animal. Reconhecer que os animais são seres vivos, e embora não tenham a sofisticação do raciocínio dos humanos, sentem dor, angústia e medo, talvez seja um primeiro passo.

Dá para viver se alimentando de outras fontes da natureza, sem ter que recorrer às visceras dos animais ? Claro que sim, e o vegetarianismo está em expansão geométrica no mundo, provando tal preceito.

Portanto, embora muita gente esteja profundamente indignada e sentindo-se prejudicada (claro que vão ser mesmo, nesses termos), parece que a Lei proposta pelos vereadores de São Paulo, tem um sentido libertário, além dos hábitos alimentares arraigados desde a antiguidade.

8 comentários:

  1. Foie Gras é um grande crime de humanos acéfalos. Que façam isso com seus filhos....

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  2. Muito bom que isso aconteça. Pois pode se dizer, que é um começo dessa matança de animais. Fazendo-os sofrer, mesmo com a dieta exagerada, como com o sofrimento qdo vão para o abatedouro. Acho pura crueldade a matança de todos tipos de animais, Uma vez, assisti um vídeo que o boi estava indo para o abatedouro, e ele tentava voltar, quando escuta o grito do boi que estava sendo abatido..Mas infelizmente não tem como. Pois é feito já para esse fim. Depois disso, ficou difícil se alimentar de carne. Como vc mesmo diz Luiz, Tem outras opções e bem mais saudáveis.
    Obrigada por compartilhar e Parabéns pela matéria..

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    1. Oi, Bete !

      Pois é...
      É um absurdo que ainda haja essa indústria montada com métodos absurdos de tortura e morte de animais indefesos.

      A engenharia de alimentos está muito desenvolvida, e já existem diversos alimentos sintéticos, com o sabor idêntico para quem aprecia, portanto, não vejo sentido em continuarem com tais práticas bárbaras.

      Obrigado por ler e comentar !

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  3. A leitora Janete Palma tentou postar um comentário sobre esta matéria, mas por alguma falha técnica, não conseguiu.

    Mandou-me por E-mail seu comentário e pediu-me que o reproduzisse em seu nome.

    Eis a íntegra :



    Oi, Luiz

    De fato, foie gras é obtido por um método cruel, pelo menos é o que tenho lido em algumas fontes.

    Não sou vegetariana total, mas, a maior parte da minha alimentação é vegetariana. Consumo pouca carne. Acho que uma hora vou parar de comer de vez.

    Assim como você diz que não é militante da causa vegetariana, eu não sou da carnívora, ainda mais que a carne não vem me apetecendo ultimamente.

    Porém, eu comento uma coisa. A base da alimentação de muitos seres vivos é a carne. Ou seja, muitos animais são predadores, por diversos motivos, sendo um deles o equilíbrio da natureza. Só que o homem com a sua capacidade de raciocinar e de inventar iguarias, acaba por exagerar e desequilibrar a natureza.

    E o ser humano é um predador desde quando surgiu. Até já soube que a nossa necessidade de comer carne é por causa dos nossos antepassados.

    Você já assistiu a alguns desses documentários que mostram como os predadores caçam suas vítimas para comer? Já reparou como alguns deles torturam as vítimas, antes de comê-las. É horror! Nem gosto de assistir a esses programas.


    Uma vez, assisti a um documentário sobre baleias (não lembro qual a espécie) que caçavam focas, que antes de serem comidas, são torturadas pelas baleias por um bom tempo! Isso me lembra a mesma tortura feita com os patos.

    Já vi documentários de leões caçarem veados e torturarem também.

    Será que deveriam baixar uma lei para esses predadores??? Não é possível.

    Agora, estamos numa época com dois lados: os que querem comer foie gras, e os que querem proibir o consumo, ou melhor a tortura dos animais para a obtenção do alimento.

    E vamos torcer para que não faltem vegetais para todos comerem, pois se faltar, a solução vai ser predar o que puder.

    Janete Palma


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    1. Janete :

      Muito boas as suas considerações, sem dúvida.

      O que é inconcebível, é o total descaso com os animais como se fossem seres desprovidos da capacidade de sentir dor, angústia, medo, pavor e raiva.

      Como salientei, minha intenção não é fazer militância vegetariana radical, mas um dado importante, é que as toxinas disparadas no organismo desses animais em agonia, ficam impregnadas no seu organismo, de modo a serem potencializadores de doenças graves para os humanos que as consomem, notadamente o câncer.

      Discordo de sua observação antropológica, todavia. Hábitos alimentares de humanos da antiguidade não podem servir de parâmetro para a atual humanidade. A evolução se faz de forma global e portanto, não vejo sentido em acomodar-se na perspectiva de que somos predadores. Prefiro trabalhar com a perspectiva de que já fomos predadores, canibais etc...

      Acredito que a engenharia de alimentos que atingiu um grau de sofisticação tecnológica enorme, já disponibiliza muitas alternativas sintéticas que substituem as vísceras de animais, para suprir as necessidades de quem aprecia tais sabores, sem nenhum prejuízo ao paladar.

      Creio que proibir o Foie Gras tem seu lado humanitário interessante, mas a questão que realmente atravanca o processo de término dessa crueldade, são os interesses dos lobbies de criadores de tais aves. Talvez a substituição do método tradicional, não seja economicamente interessante, e essa perpetuação da metodologia bárbara e cruel, realize-se meramente por conta dessa mesquinhez. Nota zero para os seres humanos que fazem isso.

      Claro, respeito e como deixei bem claro, foi a primeira vez que escrevi sobre o tema, pois sei o quanto é controverso.

      Muito obrigado por ler e comentar !

      Sinto muito que não tenha conseguido postar espontaneamente. Deve ter sido alguma falha técnica que não saberia explicar-lhe.

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    2. A leitora Janete mais uma vez tentou enviar um comentário adicional, mas não conseguiu postá-lo.

      Por E-Mail, mandou-me este complemento, que transcrevo abaixo :

      Na verdade, expressei mal a minha observação antropológica. Existe uma polêmica em querer provar que o homem, em sua origem, é vegetariano ou carnívoro. Os vegans fazem de tudo para provar que a origem é vegetariana. A ciência supõe que o homem é onívoro, ou seja, come tanto vegetal como animal. Em épocas remotas comiam frutas e carnes.

      O fato de alegar que o homem é um predador tem base na arcada dentária, que possuem estruturas próprias para morder a carne.

      Em muitos animais como os felinos, os dentes são bem mais pontudos, para eles conseguirem matar a vítima e cortar melhor a carne. Gatos e cachorros domésticos são tratados com ração, mas se eles tiverem uma oportunidade, eles caçam. Já vi os gatos da minha irmã caçarem pássaros. E isso é por que eles tem antepassados predadores e dentes bem específicos.

      O ser humano é caracterizado como animal racional, e possível de ser predador, mesmo nos dias de hoje. Porém, a meu ver, isso não justifica ter que torturar um pato para obter um Foie Gras "delicioso".

      Se nas florestas houvessem só as predações normais, a natureza seria mais equilibrada, mas como o homem interfere muito, o caos está acontecendo.

      E eu acho que pior do que comer carne de um animal, é matar bichos para fazer casacos de pele ou ter a cabeça como troféu. Fico indignada com mulheres sentindo-se felizes por estarem com um casaco de pele. E pele de animais em extinção!

      E sabe o que vou comer hoje no almoço? Arroz, feijão, abobrinha refogada e salada de alface, tomate e cenoura!

      Abraços!

      Janete

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    3. Oi, Janete !

      Acho que compreendi melhor a sua linha de raciocínio, agora.

      De fato, na ancestralidade da raça humana, os hábitos alimentares mais nos aproximavam de animais selvagens, portanto adeptos de práticas brutais de caça predatória mediante violência.

      Da mesma maneira que cientistas argumentam sobre a necessidade de proteínas animais na alimentação e usam a argumentação da arcada dentária, outros vão no caminho oposto, falando sobre o tamanho do intestino, adequado para uma alimentação mais frugal.

      Muito bem observado, o extrativismo absurdo obtido através dos animais, é chocante. Fazer roupas, sapatos e bolsas com seus restos, é de uma degradação de caráter, insuportável.

      Adorei o seu menu de almoço, descrito no último parágrafo. Eficaz, saboroso e sem a necessidade de ter que sacrificar um animal.

      Obrigado por ler e comentar !

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