sexta-feira, 22 de abril de 2016

Lixo e (é) Atraso.

Lixo e (é) atraso.

Texto de Luiz Domingues. Não quero parecer implicante, mas tenho uma impressão pessoal sobre uma sociedade que tolera a sujeira generalizada. Refiro-me à sujeira propriamente dita, mas claro que minha tese tende a corroborar a ideia de que a sujeira das ruas tem conexão direta com a sujeira moral que permeia a estrutura sociopolítica e econômica de uma nação. Senão vejamos : falando em países de primeiro mundo, salvo exceções pontuais (sim, eu sei que existem bairros pobres em Londres, Paris, Nova York e Los Angeles, para ficarmos em poucos exemplos, que tem habitações precárias e sujeira nas ruas, becos fétidos e violência urbana perpetrada por gangs), a grosso modo, o padrão de limpeza nas ruas é exemplar. O cidadão comum de um país de primeiro mundo nasce numa sociedade que há décadas, e às vezes, séculos, educa seus filhos com valores básicos de convivência social e que entre outras coisas, ensina que jogar papel de bala na rua é errado e daí a ausência de lixo nas ruas. De tanto bater nessa tecla, chega-se num ponto onde nem é preciso mais ensinar às novas gerações, pois cria-se na alma ou no DNA como queiram, a verdadeira naturalidade de se encarar como algo bizarro, jogar lixo na calçada. E nem precisa citar só as super potências. Países inexpressivos na Geopolítica mundial, sem força militar alguma, mas com alto padrão civilizatório, vivem essa realidade com toda a tranqüilidade. Consegue imaginar as ruas de cidades da Finlândia com entulho jogado nas calçadas ? Acha plausível que na Suécia as pessoas achem normal caminhar pisando em embalagens de produtos os mais variados e geralmente embalagens de comestíveis com os de restos atraindo atraindo insetos e ratos ? Pois é, isso não acontece e a limpeza extrema vai além do asseio necessário óbvio, mas reflete-se em vários outros aspectos, muitos deles sutis. A limpeza denota valores. Sujeira e descaso são faces de uma mesma moeda, esse é um ponto. Indo além, quando jogo lixo na rua, sou desrespeitoso com a urbe e sobre tudo com o semelhante. E se tenho essa predisposição de não me importar com o mal estar alheio, levo esse valor para a vida, agindo assim em outros tantos aspectos. Quando uma chuva forte cai e os bueiros entopem, todos ficam alarmados com o desconforto generalizado. Pior que o transtorno, são as perdas humanas (estendendo-se aos animais domésticos, é claro); prejuízo material desolador (principalmente aos mais humildes que pouco tem e vivem sujeitos a perder tudo a cada chuva que cai, num moto perpétuo dos mais cruéis). Não eximindo a culpa das autoridades do poder executivo que pecam pela sistemática má administração pública, é claro que a culpa também é do próprio povo que nem esboça associar a prática selvagem de jogar lixo nas ruas, com o drama das enchentes. Em suma : vivemos numa sociedade ainda atrelada a valores da Idade Média ou pior ainda, da Antiguidade. Exagerando, mas infelizmente sendo realista, em muitos casos, o nosso padrão de sociedade chega a ser pré-histórico. E o que dizer de pessoas que mesmo diante de uma lixeira pública a ignoram retumbantemente e não ficam ruborizadas em jogar dejeto no chão ? Pior ainda, o que pensar sobre a questão do vandalismo, onde pessoas acham engraçado e eu já vi até quem defenda a “legitimidade” de destruir lixeiras ? Ato político legítimo enquanto protesto ? Não existe outra forma republicana do cidadão expressar sua insatisfação com os poderes públicos ? Já tivemos lampejos de civilidade e os perdemos. Como é possível regredir ? Pois é, é possível... Em décadas passadas, tais valores eram mais observados pelas gerações anteriores. A limpeza nas ruas era mais acentuada, inclusive em cidades grandes e onde é mais difícil para o poder público dar conta da varrição das ruas e certamente havia uma postura mais colaborativa das pessoas. No início dos anos setenta, uma campanha de conscientização foi criada na mídia e até um personagem infantil foi criado para disseminar a ideia de que era errado jogar lixo nas ruas. Quem viveu a época, há de se recordar da figura do “Sugismundo”, um personagem prosaico, e que personificava o incauto que praticava atos de falta de cidadania, condenáveis. O objetivo claro era impressionar as crianças, formando uma consciência para o médio –longo prazo. Mas apesar do personagem ter se tornado popular lá em 1972, o efeito prático não logrou êxito e a situação da falta de educação popular só piorou, após o decorrer de muitos nos anos e décadas posteriores. Falando sobre o aspecto psicológico, a limpeza traz a sensação de ordem, diante de uma ambientação agradável, as pessoas tendem a raciocinar de uma forma mais clara, mais criativa e mais solidária, no sentido de querer estender o bem estar que sentem aos seus entes queridos e tal ação tende a ser viral, espalhando o bem estar generalizado. Ao contrário, num ambiente de limpeza extrema, a ausência de fatores deprimentes que denotem decadência desoladora, estimula as pessoas a compartilhar suas ideias em benefício mútuo e não presas em instintos selvagens de sobrevivência que nos prendam às cavernas pré-históricas. Sendo assim, é inevitável não associarmos o atraso do Brasil á mentalidade do povo que ainda não chegou num grau de padrão civilizado, onde nem seja necessário uma campanha de marketing na mídia, para o cidadão comum não praticar atos abomináveis de falta de higiene nas ruas. E veja que só estou falando sobre arremesso de lixo em locais públicos e nem mencionei a vergonha nacional que é convivermos com pessoas (muitas !!), que acham “normal” praticar suas necessidades fisiológicas nas ruas. E outra coisa : não há diferença, tecnicamente falando, entre jogar um papel de bala e um sofá velho na rua, pensando no aspecto da imoralidade em que se reveste o ato. Contudo, não há como não associar a tragédia das enchentes nas cidades brasileiras com o fato consumado que esse povo joga tudo na rua !! Como pode não haver enchente com as pessoas agindo como se a urbe fosse uma enorme lata de lixo ? Basta xingar as autoridades a cada tragédia ? Sim, eles também tem culpa pela inércia, pela falta de vontade política etc. Mas isso por acaso não é culpa nossa também a cada nuvem preta que aparece, não seria uma tragédia anunciada ? Povo imundo merece chafurdar, não é mesmo ? Sendo assim, não sairemos desse chiqueiro, enquanto não mudarmos a nossa postura pessoal nesse quesito. De nada adiante a troca quadrienal de poder, pois mesmo que haja boa vontade política do mandatário da vez, sem a profunda mudança de mentalidade do cidadão comum, nada mudará. Para o Brasil subir alguns degraus e se arvorar de ser um país eminentemente emergente e pleiteante a frequentar o seleto grupo de nações do primeiro mundo, é necessário que o povo mude sua postura em muitos aspectos e um deles é do asseio, passando a enxergar, mas sobretudo tratar a cidade onde habitamos, como uma extensão de nosso próprio Lar. Ter o sentimento de carinho pelo nosso Lar, precisa se alargar ao ponto de sentir como “nosso Lar”, a cidade inteira e por conseguinte, o estado e a união. Só assim o Brasil poderá ser considerado um país que sonha um dia ser do dito “primeiro mundo”. Fora disso, é no imaginário do mundo civilizado, apenas uma republiqueta das bananas e cujo povo costuma jogar as cascas na rua. E quem escorrega nas cascas, somos nós mesmos...

15 comentários:

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    1. Que legal receber esse apoio seu, Sidnei !

      Hora deste povo acordar e agir...

      Grato por ler e comentar !!

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Muito bom o texto, somos o país da desorden literalmente falando, lixos nas ruas, na política, nas atitudes etc. Enquanto não mudarmos para sermos uma civilização organizada, nada vai adiantar ficarmos reclamando de tudo, isso depende exclusivamente de nós....

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    1. Isso aí, Prik !

      A bagunça é a marca registrada deste povo, e a sujeira pelas ruas, espelho da alma brasileira.

      Enquanto não mudarmos, de nada adianta ficar colocando a culpa nos governantes, e aliás, os governantes são assim desleixados exatamente por pensarem igual, visto serem pessoas que saem do mesmo povo. É cíclico, portanto...

      Grato por ler e comentar !!

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  4. Concordo com tudo o que lí, o povo tem que se concientizar que o lixo jogado na rua vai parar em algum lugar, e não adianta reclamar das enchentes nos dias de chuva. ótimo texto.

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    1. Exatamente !!

      O lixo que jogamos na rua é o causador das enchentes que reclamos depois, como se fosse só pela falta de obras da parte dos governantes.

      Grato por ler, comentar e elogiar, Kim !

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  5. Belíssimo texto ! Realmente , a limpeza das ruas de um país é um dos principais reflexos da organização política e social dele , assim como da concepção de cidadania de seu povo .

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    1. Isso mesmo !!

      Quando andamos pelas ruas de Helsinque, Finlândia, e vemos um padrão de limpeza e organização que até nos choca, fica a pergunta no ar : Seria a Finlândia uma super potência mundial ? Mesmo não tendo protagonismo geopolítico e poderio militar, tampouco reservas naturais; agricultura super desenvolvida e um parque industrial mega gigantesco, mantém-se num patamar de civilização de 1º mundo, descartando totalmente a ideia de que só super potências conseguem atingir tal grau de civilização.

      É para pensarmos...

      Grato por ler, comentar e elogiar !!

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  6. Excelente artigo.
    Realmente, temos muito o que mudar em nossa cultura.
    Uma vez, quando eu ia ao aeroporto de Cumbica, fiquei chocada com a sujeira, que eu vi no rio, ao lado da marginal Tietê. Muitas garrafas de plásticos boiando. E, quem joga? Acho que são as pessoas.
    Se for para cobrar os responsáveis pela limpeza, temos que ter consciência de que lixo, não se joga no chão e nos rios.

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    1. Grato, amiga Janete !

      De fato, o choque que os estrangeiros tem quando chegam ao Brasil, via Cumbica ou Galeão é esse mesmo. De imediato, veem a incrível sujeira espalhada pelas ruas, quando não boiando em rios e córregos fétidos, verdadeiros esgotos a céu aberto.

      Somos os responsáveis por essa sujeira e passou do tempo de culpar apenas a inércia dos governantes. Não sujar as ruas é o mínimo que deveríamos fazer, e não fazemos.

      Claro, falo de maneira genérica, pois sei que eu não faço isso; tampouco você e a maioria das pessoas que leram este texto e postaram comentários, mas mesmo assim, muito mais do que manter tal postura correta, devemos abrir os olhos dos que não agem assim, pois senão, ficaremos eternamente deitados no berço esplêndido e ...imundo...

      Muito grato por ler; comentar e elogiar o texto !

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  7. E ainda o povo brasileiro fala mal de outros países no fato de não tomarem banho todos os dias como nós...
    Uma vez estava no trem indo do Brás pro Tatuapé. Logo que o trem começou a andar, inúmeras pessoas começaram a jogar lixo, latas de refrigerante etc pelas janelas do trem. Fiquei impressionada!
    O texto me lembrou o filme Ilha das Flores, mas isto já é outra história.
    Belo texto Luiz! Um forte a braço!

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    1. Oi, Lourdes !

      Criticar certos hábitos europeus, como por exemplo o do banho diário, é típica atitude de "jeca" que não entende que lá não há calor tropical escaldante e a umidade inerente. As pessoas fazem seus rituais de higiene diários, mas não necessariamente precisando de banho diário como aqui, e com a agravante de pessoas que tomam mais de um banho por dia e se acham super civilizadas, mas não hesitam em jogar sujeira nas ruas. Querer se arvorar disso para ironizar os europeus, beira o ridículo, se levarmos em conta que vivemos num chiqueiro, com esgoto a céu aberto...

      Muito bem lembrado, o curta metragem "Ilha das Flores" tem tudo a ver com o tema deste texto e é um primor na minha opinião.

      Muito grato por participar com seu comentário sempre coerente e enriquecedor.

      Abração, amiga !!

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  8. Desleixo com aquela noção de fazer o certo para quê e se fizer errado não dá em nada também...aqui, Brasil, mais ainda!
    Mesmo fundamento em tudo dito por vc, daquela teoria da janela quebrada vivenciada em uma prefeitura americana, onde comprovaram que esse comportamento também não é caracterizado por classes sociais com ou sem acesso a educação formal, mas por uma cultura do desleixo mesmo!
    Muito ainda por conscientizar sobre o viver em sociedade: somos parte e o que fizermos afeta o todo!
    Muito relevante tema!

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    1. Falou a palavra certa : desleixo.

      Vivemos a cultura do desleixo total e quando a enchente vem, ninguém cogita que o povo é o maior responsável por esse caos e ignorando essa realidade, preferem atacar com virulência o poder público, que não fez obras de infraestrutura etc e tal.

      Tem razão em 10%, digamos, pois os governantes também estão contaminados pelo desleixo e realmente pouco fazem para erradicar tal problema, mas as toneladas de lixo jogadas diariamente por essa patuleia, ninguém computa nessa equação...

      Muito grato por ter lido e comentado !!

      Abraço, Telma !

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