terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Drogas, Questão Dúbia.

Texto de Luiz Domingues.

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso tomou uma corajosa posição ao se engajar num documentário que abertamente levanta a questão da liberalização das drogas ("Quebrando o Tabu", de Fernando Grostein Andrade).

Particularmente, fiquei surpreendido , pois não esperaria uma atitude dessas do ex-presidente, que nas últimas décadas nem lembrava o combativo político idealista e anti-ditadura, ao seguir a tendência tucana de se aliar à direita, tornando-o um aparente conservador, que certamente destoa de sua biografia pregressa.

Contudo, está explicado porque o seu partido praticamente o marginalizou nas últimas eleições presidenciais, quase explicitando uma vergonha interna, quando na verdade, sua figura como presidente vitorioso com dois mandatos, deveria ser o principal trunfo do partido.

Saindo da política e falando do tema do documentário, só os realmente retrógados, não entenderam a intenção de FHC. Não há nenhuma intenção de fazer apologia às drogas. A questão é o completo fracasso da política de repressão montada para coibir o consumo, que só fez fomentar a indústria do tráfico, com um aparato bélico digno de exércitos, para que esses bandidos aterrorizem a sociedade.

Que as drogas fazem um estrago na saúde física, mental, espiritual e social das pessoas, eu não tenho nenhuma dúvida. O que questiono, assim como o ex-presidente muito bem coloca no documentário, é a política repressora e encriminatória, que revelou-se um completo fracasso nas últimas décadas e foi praticamente imposta pela visão norte-americana do problema.

Há os que argumentam que o controle do Estado deva ser absoluto e se afrouxasse , seria ainda pior.

Discordo desse ponto de vista por vários fatores:

1) Reprimir criminalizando os consumidores, diminuiu o consumo ? É claro que não ! E pelo contrário, só fortaleceu os traficantes que montaram verdadeiros exércitos para defender seu negócio.

2) A sobrecarga de trabalho às forças policiais é brutal, por travarem uma luta insana. Enquanto se preocupam em enfrentar traficantes e reprimir usuários, ficam longe de suas verdadeiras atribuições, evitando assaltos, estupros, violência, vandalismo, golpes, furtos, roubos etc.

3) O Estado não pode "mandar" no livre arbítrio das pessoas em relação aos seus próprios corpos. Pessoas adultas tem o direito de cuidarem de suas vidas, fazendo suas escolhas pessoais sobre o que ingerem. Se não prejudicam outras pessoas ou o patrimônio alheio, devem ser livres para fazerem suas escolhas pessoais.

4) A questão gritante da hipocrisia e preconceito é fator execrável a ser abolido. Por que os mesmos reacionários que defendem a manutenção do atual Status Quo da política repressora em relação às drogas ditas ilícitas, não defendem a proibição sumária das bebidas alcoólicas e do tabaco ?
Pois é amigos...é sabido desde sempre, que estas drogas "lícitas" e vendidas em todas as esquinas legalmente, produzem os piores viciados, matam, criam embaraços multiplos (A sociedade não aguenta mais esses famigerados bêbados matando pessoas todos os dias no trânsito, não é verdade ?). Contudo, as mesmas vozes que execram outras drogas, não acham que essas "lícitas" sejam tão prejudiciais...

5) Os danos causados ao organismo físico e à psiquê humana, são sistemáticos para todas as drogas, mas é muito discutível a questão do efeito estimulador das drogas no comportamento, a grosso modo. A droga potencializa o que é o estrato de cada pessoa. Se um garoto de baixo nível sócio-cultural, pouca instrução e criado num ambiente agressivo se drogar, é muito provável que tenha uma tendência a envolver-se com o crime, praticar delitos etc. Um outro garoto, de formação mais avantajada socialmente falando, pode fazer uso da mesma substância e sentir-se estimulado apenas a ouvir música, dançar e flertar numa "balada".

6) A contrapartida de uma eventual liberalização, seria o investimento maciço no aparato de saúde pública e na educação. Campanhas bem estruturadas esclarecendo com correção os malefícios do uso dessas substâncias, incluso álcool e tabaco e pronta assistência médica, com instalações, equipamentos e profissionais bem capacitados e remunerados. E ainda assim, o governo gastaria muito menos, do que gasta atualmente mantendo a repressão, mais sobrecarga no sistema jurídico e penitenciário.

7) Outra contrapartida, seria um equilíbrio de forças na balança da justiça. Da mesma forma que as pessoas seriam livres conforme a sua consciência para consumirem livremente o que desejassem, assumiriam integralmente seus atos mediante um código penal duríssimo. Cometeu um crime alcoolizado ou drogado ? Uma pena muito dura e sem a atual escala de abrandamentos que o sistema brasileiro oferece. Bom comportamento ? Mera obrigação para não postergar o cumprimento da pena. 30 anos de reclusão ? Nenhum minuto a menos e assim por diante. E claro, trabalhando...precisamos de muita força bruta na manutenção das péssimas estradas federais, construção de casas populares etc.

8) Evidentemente que isso quebraria as organizações criminosas. Os pessimistas de plantão vão argumentar que eles apenas mudariam de modalidade criminosa. Mas até que isso acontecesse, será que o governo não teria tempo, capacidade e dinheiro economizado para investir em tecnologia e inteligência policial ?

Não estou fazendo apologia às drogas. Que fique bem claro ! Questiono, assim como o ex-presidente FHC, a manutenção da atual política repressora, que revelou-se completamente ineficaz e com este texto, abro uma discussão, colhendo opiniões, apenas isso.

8 comentários:

  1. Não vi o filme ainda, mas as questões de politicas publicas levantadas no texto mostra muito como realmente a sociedade é, do tipo "pior cego"...

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    1. Verdade ! Vivemos numa hipocrisia muito grande e chegou a hora de romper com esse conceito medieval. Cuidar do corpo é atribuição da pessoa e não do estado.

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  2. Interessante reflexão, Luiz. Acabo de chegar da Fazenda Mãe Natureza, onde se desenvolve o Projeto Reviver, dedicado à recuperação de pessoas envolvidas com as mais variadas formas de adicção. Escrevi um pequeno texto sobre o assunto em http://dialeticadosagrado.blogspot.com/2012/01/como-eu-vejo-o-projeto-reviver.html.

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    1. Excelente a sua intervenção. O trabalho da Fazenda Mãe Natureza é notável na recuperação de dependentes químicos e de alcoólatras. Uma prova cabal de que deveria ser amplamente apoiada pelo governo, espalhando-se por todo o país. Essa é a contrapartida que sugeri numa eventual liberalização.

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  3. Oi, Luiz
    Não assisti ao documentário, mas vi nas mídias as polêmicas acerca das opiniões de FHC.
    Confesso que ainda não tenho uma opinião formada a respeito.
    Se não legalizar a droga, ocorre a imensa criminalidade com os traficantes, se legaliza, vai melhorar mesmo? A bebida é legalizada, e é uma das maiores causadores de mortes no país.
    Talvez, o ideal seria mesmo a justiça brasileira ser mais severa para com os usuários que cometem os crimes, situação que não acontece. Imagine cumprir pena em regime aberto ou semi aberto. Acho isso uma piada.
    Porém, cada vez mais se ”lutam pelos direitos humanos”, que é onde entram essas ”mordomias” aos usuários de drogas e traficantes.

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    1. Não posso garantir que melhore, de forma categórica. Mas o simples fato da criminalidade não ter interesse no tabaco e na bebida, é um indício forte de que o mesmo raciocínio valeria para as drogas.

      Eu tenho a tendência a pensar como o FHC nessa questão e quem contra-argumenta em contrário, geralmente é influenciado por ideias oriundas de moral religiosa. São adeptos de um estado não laico, centralizador e defensor de costumes bíblicos.

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  4. Oi, Luiz!
    Parabéns pelo texto, gosto muito da forma como você pensa, um pensamento humanista e racional.
    Assisti o documentário "Quebrando o tabu" e também recomendo o "Cortina de Fumaça".
    Não concordo que a questão das drogas deva ser vista com mais severidade, como acentuou a Janete acima...
    De outro modo, compartilho da opinião de que, cada pessoa deve ter o livre arbítrio sobre o seu corpo, até porque já se comprovou que as drogas são utilizadas desde os primórdios, inclusive, convivemos com drogas lícitas diariamente. Ou seja, como um dado histórico, a sociedade nunca conseguiu deixar de fazer uso das drogas e pelo andar da carruagem não acredito na utopia de que isso algum dia acontecerá.
    Infelizmente,atualmente as drogas não são mais do que uma política de mercado e de repressão, a título de exemplo, temos os nossos remédios de cada dia, o cafezinho de todas as manhãs, o tabaco, o álcool. E como já salientou diversas pesquisas de instituições renomadas, o uso do álcool e do tabaco é muito mais maléfico do que o uso da maconha. Inclusive, a maconha pode ser usada como tratamento alternativo para os usuários de câncer, tanto pode que, existem várias instituições espalhadas pelo mundo que legalizaram o uso da maconha para fins terapêuticos.
    Voltando a outro exemplo das drogas sobre o viés do mercado - tem-se o ocorrido com os mexicanos, é de conhecimento difundido que, faz parte da cultura mexicana o uso da maconha. Contudo, logo após a intensificação da imigração dos mexicanos para o EUA, passou-se a reprimir a maconha sob o argumento de que esta seria a porta de entrada para as outras drogas, quando na verdade estava se punindo os mexicanos por atravessarem a fronteira, pessoas humildes que nada contribuiriam para o capitalismo norteamericano. Para um melhor debate sobre esse tema recomendo o filme G.R.A.S.S.
    Pensemos nas drogas politicamente.Quantos políticos não angariam votos em face da propaganda de repressão às drogas?
    Agora pensemos, aonde foi parar o nosso senso de amor pelo próximo? De fraternidade? Como chegamos a um enraizamento tão profundo de descaso pelo outro?? É tão fácil pensar que o problema das drogas não diz respeito a todos nós. Mas, quando nos isentamos de manifestar, o que ocorre é a transferência de tal problema para os cemitérios e os encarceramentos desumanos...
    Ademais, a Lei 11.343 em seu art. 28 não define qual é a quantidade de drogas que se afere para o consumo pessoal, então, mais uma vez o que se vê na prática é a seletividade dos dependentes químicos, culminando como sempre na criminalização da pobreza. Contudo, para os mais abastados se aplica uma mera advertência do juiz.
    Pessoal, o dependente químico é um ser humano como qualquer outro, e a solução das drogas não passa pelas portas das cadeias...

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  5. Puxa, Alana ! Você deu uma aula de matéria jurídica. Só tenho a lhe agradecer por um adendo tão enriquecedor.

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