Texto de Luiz Domingues.
Não quero parecer implicante, mas tenho uma impressão pessoal sobre uma sociedade que tolera a sujeira generalizada.
Refiro-me à sujeira propriamente dita, mas claro que minha tese tende a corroborar a ideia de que a sujeira das ruas tem conexão direta com a sujeira moral que permeia a estrutura sociopolítica e econômica de uma nação.
Senão vejamos : falando em países de primeiro mundo, salvo exceções pontuais (sim, eu sei que existem bairros pobres em Londres, Paris, Nova York e Los Angeles, para ficarmos em poucos exemplos, que tem habitações precárias e sujeira nas ruas, becos fétidos e violência urbana perpetrada por gangs), a grosso modo, o padrão de limpeza nas ruas é exemplar.
O cidadão comum de um país de primeiro mundo nasce numa sociedade que há décadas, e às vezes, séculos, educa seus filhos com valores básicos de convivência social e que entre outras coisas, ensina que jogar papel de bala na rua é errado e daí a ausência de lixo nas ruas.
De tanto bater nessa tecla, chega-se num ponto onde nem é preciso mais ensinar às novas gerações, pois cria-se na alma ou no DNA como queiram, a verdadeira naturalidade de se encarar como algo bizarro, jogar lixo na calçada.
E nem precisa citar só as super potências. Países inexpressivos na Geopolítica mundial, sem força militar alguma, mas com alto padrão civilizatório, vivem essa realidade com toda a tranqüilidade.
Consegue imaginar as ruas de cidades da Finlândia com entulho jogado nas calçadas ? Acha plausível que na Suécia as pessoas achem normal caminhar pisando em embalagens de produtos os mais variados e geralmente embalagens de comestíveis com os de restos atraindo atraindo insetos e ratos ?
Pois é, isso não acontece e a limpeza extrema vai além do asseio necessário óbvio, mas reflete-se em vários outros aspectos, muitos deles sutis.
A limpeza denota valores.
Sujeira e descaso são faces de uma mesma moeda, esse é um ponto. Indo além, quando jogo lixo na rua, sou desrespeitoso com a urbe e sobre tudo com o semelhante. E se tenho essa predisposição de não me importar com o mal estar alheio, levo esse valor para a vida, agindo assim em outros tantos aspectos.
Quando uma chuva forte cai e os bueiros entopem, todos ficam alarmados com o desconforto generalizado. Pior que o transtorno, são as perdas humanas (estendendo-se aos animais domésticos, é claro); prejuízo material desolador (principalmente aos mais humildes que pouco tem e vivem sujeitos a perder tudo a cada chuva que cai, num moto perpétuo dos mais cruéis).
Não eximindo a culpa das autoridades do poder executivo que pecam pela sistemática má administração pública, é claro que a culpa também é do próprio povo que nem esboça associar a prática selvagem de jogar lixo nas ruas, com o drama das enchentes. Em suma : vivemos numa sociedade ainda atrelada a valores da Idade Média ou pior ainda, da Antiguidade. Exagerando, mas infelizmente sendo realista, em muitos casos, o nosso padrão de sociedade chega a ser pré-histórico.
E o que dizer de pessoas que mesmo diante de uma lixeira pública a ignoram retumbantemente e não ficam ruborizadas em jogar dejeto no chão ?
Pior ainda, o que pensar sobre a questão do vandalismo, onde pessoas acham engraçado e eu já vi até quem defenda a “legitimidade” de destruir lixeiras ? Ato político legítimo enquanto protesto ? Não existe outra forma republicana do cidadão expressar sua insatisfação com os poderes públicos ?
Já tivemos lampejos de civilidade e os perdemos. Como é possível regredir ? Pois é, é possível...
Em décadas passadas, tais valores eram mais observados pelas gerações anteriores. A limpeza nas ruas era mais acentuada, inclusive em cidades grandes e onde é mais difícil para o poder público dar conta da varrição das ruas e certamente havia uma postura mais colaborativa das pessoas.
No início dos anos setenta, uma campanha de conscientização foi criada na mídia e até um personagem infantil foi criado para disseminar a ideia de que era errado jogar lixo nas ruas. Quem viveu a época, há de se recordar da figura do “Sugismundo”, um personagem prosaico, e que personificava o incauto que praticava atos de falta de cidadania, condenáveis.
O objetivo claro era impressionar as crianças, formando uma consciência para o médio –longo prazo. Mas apesar do personagem ter se tornado popular lá em 1972, o efeito prático não logrou êxito e a situação da falta de educação popular só piorou, após o decorrer de muitos nos anos e décadas posteriores.
Falando sobre o aspecto psicológico, a limpeza traz a sensação de ordem, diante de uma ambientação agradável, as pessoas tendem a raciocinar de uma forma mais clara, mais criativa e mais solidária, no sentido de querer estender o bem estar que sentem aos seus entes queridos e tal ação tende a ser viral, espalhando o bem estar generalizado.
Ao contrário, num ambiente de limpeza extrema, a ausência de fatores deprimentes que denotem decadência desoladora, estimula as pessoas a compartilhar suas ideias em benefício mútuo e não presas em instintos selvagens de sobrevivência que nos prendam às cavernas pré-históricas.
Sendo assim, é inevitável não associarmos o atraso do Brasil á mentalidade do povo que ainda não chegou num grau de padrão civilizado, onde nem seja necessário uma campanha de marketing na mídia, para o cidadão comum não praticar atos abomináveis de falta de higiene nas ruas. E veja que só estou falando sobre arremesso de lixo em locais públicos e nem mencionei a vergonha nacional que é convivermos com pessoas (muitas !!), que acham “normal” praticar suas necessidades fisiológicas nas ruas.
E outra coisa : não há diferença, tecnicamente falando, entre jogar um papel de bala e um sofá velho na rua, pensando no aspecto da imoralidade em que se reveste o ato. Contudo, não há como não associar a tragédia das enchentes nas cidades brasileiras com o fato consumado que esse povo joga tudo na rua !!
Como pode não haver enchente com as pessoas agindo como se a urbe fosse uma enorme lata de lixo ?
Basta xingar as autoridades a cada tragédia ? Sim, eles também tem culpa pela inércia, pela falta de vontade política etc. Mas isso por acaso não é culpa nossa também a cada nuvem preta que aparece, não seria uma tragédia anunciada ?
Povo imundo merece chafurdar, não é mesmo ? Sendo assim, não sairemos desse chiqueiro, enquanto não mudarmos a nossa postura pessoal nesse quesito. De nada adiante a troca quadrienal de poder, pois mesmo que haja boa vontade política do mandatário da vez, sem a profunda mudança de mentalidade do cidadão comum, nada mudará.
Para o Brasil subir alguns degraus e se arvorar de ser um país eminentemente emergente e pleiteante a frequentar o seleto grupo de nações do primeiro mundo, é necessário que o povo mude sua postura em muitos aspectos e um deles é do asseio, passando a enxergar, mas sobretudo tratar a cidade onde habitamos, como uma extensão de nosso próprio Lar.
Ter o sentimento de carinho pelo nosso Lar, precisa se alargar ao ponto de sentir como “nosso Lar”, a cidade inteira e por conseguinte, o estado e a união. Só assim o Brasil poderá ser considerado um país que sonha um dia ser do dito “primeiro mundo”.
Fora disso, é no imaginário do mundo civilizado, apenas uma republiqueta das bananas e cujo povo costuma jogar as cascas na rua. E quem escorrega nas cascas, somos nós mesmos...