Reclamar por reclamar, texto de Luiz Domingues.
Tem gente que tem visão amarga da vida, por natureza.
Sua percepção da existência, é permeada pelo pior viés, como se fosse normal esperar sempre pelo mais desastroso desfecho de tudo.
Fico abismado de ver como se reclama das questões básicas de cidadania, mas ao mesmo tempo, não reconhecem nenhum esforço feito para buscar soluções, mesmo para problemas cruciais, que elas mesmo, vivem reclamando.
Numa cidade de trânsito caótico como São Paulo, há décadas as pessoas se habituaram a reclamar com veemência dessa dificuldade histórica, e a cada dia, pior.
A máxima da física, que diz : “Dois corpos não podem ocupar o mesmo espaço”, parece que não entra na cabeça das pessoas que paradoxalmente reclamam tanto do trânsito.
Se ninguém colabora, e nesses termos, todos querem usar carros particulares, não parece óbvio que não haverá espaço na via pública para todos circularem ?
A justificativa está na ponta da língua dos reclamões : “o transporte público não presta, por isso não o uso, forçando-me a locomover-me de carro”
Claro que não sou cego, e concordo que não temos transporte público num patamar de qualidade que gostaríamos e mereceríamos.
Tem muito o que melhorar, eu concordo.
O contraponto disso, é que esforços estão sendo feitos nas grandes cidades e no caso, cito São Paulo por ser minha cidade, e onde transito e conheço bem.
Recentemente, a prefeitura passou a adotar medidas radicais para tentar desafogar o trânsito.
Claro que algumas ações foram polêmicas e algumas, por certos aspectos técnicos, atabalhoadas.
Mas a intenção é ótima, e eu só vejo reclamação vindo da parte de quem reclama o tempo todo que o trânsito é “insuportável”.
O que desejam então ?
Se o poder público não faz nada, reclamam; se faz alguma coisa, reclamam também ?
Qual seria a solução “mágica” para tornar o trânsito agradável, na opinião dos “reclamões” de plantão ?
Lembro-me que na metade dos anos setenta, a prefeitura de São Paulo instituiu a zona azul, para tornar o espaço público mais democrático, visto que a frota estava altíssima já naqueles padrões da época, e os espaços para estacionar, ficando escassos.
A revolta foi enorme na ocasião, pois era uma medida extremamente antipática, mas diante da crescente falta de espaços para estacionar, foi inevitável.
Duas décadas depois, a prefeitura trouxe o conceito do rodízio de veículos. Isso já estava acontecendo na Cidade do México, com alívio no tráfego daquela megalópole bastante parecida com São Paulo, portanto, deveria funcionar aqui.
Claro que o “mundo caiu”, com uma saraivada de críticas ao poder público, mas quase vinte anos depois, dá para conceber São Paulo com a frota de sete milhões de carros particulares; 35 mil táxis; 15 mil ônibus, e uma infinidade de frotas de empresas, carros oficiais; e milhares de carros de outras cidades, estados, e até de países vizinhos, que aqui trafegam, podendo circular livremente todos os dias ?
Agora está havendo um incentivo ao uso de bicicletas. Ótima medida incentivar a bicicleta no cotidiano, e não só como veículo de lazer dominical. Que bacana a perspectiva do cidadão ir de bicicleta ao trabalho, escola, às compras etc etc.
Só que na selvageria do trânsito, os ciclistas correm risco de vida permanente.
A mídia comprou a briga do ciclista, e toda vez que se registra um acidente com tal usuário, a comoção é geral, e claro que é justíssima.
A vida humana vale mais que qualquer coisa, certo ?
Uma bandeira é hasteada : precisamos de ciclovias !!
Então a prefeitura começa a delimitar espaço para ciclovias na cidade inteira. É a segurança do ciclista sendo resguardada, e o incentivo para que mais pessoas se sintam seguras, e usem a bike no cotidiano, sem medo.
Atendida a reivindicação ?
Pois não é que os reclamões caem de pau nas ciclovias ??
- “Que absurdo” !
-“Estão tirando o espaço dos carros”...
Mas vocês não reclamavam que o trânsito estava impossível, e o poder público nada fazia ?
Outro exemplo ?
-“O serviço de transporte público não presta”.
A prefeitura se esforça para criar o máximo de corredores de ônibus exclusivos, fazendo com que os ônibus fiquem menos engarrafados, que fluam, e andando mais depressa, abrem espaço para mais ônibus circularem e isso é um claro incentivo à que as pessoas deixem seus carrinhos na garagem, e usem os ônibus, mas qual é a atitude padrão do “reclamão” ?
Ficam engarrafados dentro de seus carros, olhando os ônibus passando mais rápido, e amaldiçoando o poder público que lhes tirou espaço...
Deixar seu bólido na garagem e usar o ônibus, nem pensar, mas exigir dos governantes, um “passe de mágica”, onde mais de sete milhões de veículos circulem num espaço físico que não comporta nem um terço dessa frota, é seu esporte predileto...
Para não falarem que estou puxando sardinha para o partido A ou B, cito o governo estadual, que tem outra posição política, mas que igualmente vem fazendo esforços para melhorar o trânsito na capital paulista.
No que lhe compete nessa equação : metrô; trens metropolitanos, e a minimização de caminhões na cidade, com a construção do rodoanel, a meta é igualmente incentivar o transporte público, mas quem se predispõe a só usar tais meios e deixar o carro em casa ?
O suprasumo dos últimos dias, e que me motivou a escrever esta crônica, veio do centro de São Paulo, em mais uma ação ousada da prefeitura.
Como é sabido, na cidade de Tóquio, existem marcações de travessia de pedestres, nas grandes avenidas, em formato diagonal.
A lógica dessa engenharia de trânsito, é proporcionar aos pedestres, a oportunidade de atravessar em uma única etapa, uma travessia que lhes obrigaria a realizar em duas etapas, no método tradicional.
Ganha-se tempo e estressa muito menos, portanto, aumenta-se a qualidade de vida.
Tem turista brasileiro que faz “selfie” nesses cruzamentos da capital nipônica, e acha o máximo da modernidade...que bacana !!
E não é que no primeiro dia em que tal marcação foi feita num cruzamento de avenidas do centro de São Paulo, os reclamões caíram de pau ??
Caramba, ainda é um projeto experimental, e a turma do contra já decretou que não funciona; é um horror, mais um desastre dessa administração etc etc;
Ora , ora, volto ao início da crônica : se o poder público faz uma administração morna, daquelas que não ousam, e só mantém o caos de sempre...reclamam !!
Se uma administração tenta fazer alguma coisa, ainda que abra espaço para errar em algum aspecto, mas tenta, ora bolas, reclamam...
Conclusão : temos problemas urbanísticos graves para enfrentar e resolver.
O espaço é cada vez menor, e numa progressão geométrica, cada vez tem mais gente e suas necessidades inerentes.
Todo dia, o Detran de São Paulo emplaca uma média de 800 carros novos, para entupir a via pública cada vez mais !
Você não aguenta mais os engarrafamentos, e deseja que as autoridades resolvam isso imediatamente.
Só que : não abre mão de usar seu carro o tempo todo, e em hipótese alguma sequer cogita isso; não quer que os ônibus circulem numa faixa exclusiva; não aceita a implementação de ciclovias, pois a seu ver, “te atrapalham”; faz abaixo assinado para não construir estação de Metrô no seu bairro bacana, para não atrair pessoas “diferenciadas”; não quer que se construa monotrilhos; recusa-se a usar transporte público...
O que você quer afinal ?
Pois mágica, meu amigo, não existe, sinto lhe informar...
Ah, já sei...quer...reclamar !!
Oh vida, oh azar...como diria a hiena Hardy Har Har...