quarta-feira, 20 de maio de 2015

A Incrível História do Flama.

A Incrível História do Flama, texto de Luiz Domingues.

A evolução das histórias em quadrinhos no Brasil, vem de longa data, remontando ao século XIX, através de publicações em jornais.

Não demorou nada, e personagens genuinamente brasileiros, já eram publicados em meio aos internacionais, e ainda que sofrendo o habitual preconceito que o brasileiro nutre pelos seus próprios valores, foram lutando bravamente pela sobrevivência e evoluindo.

São vários os exemplos de personagens brasileiros criados, entre os quais : “Chiquinho”; “Reco-Reco”; “Bolão”, “Azeitona”; “Pão Duro”; “Tutu”; “Titi & Totó”; “Juca Pato”; “O Amigo da Onça”, e já nos anos sessenta, “A Turma da Mônica”.

Outros vieram depois, certamente, mas parei aí no início dos anos sessenta propositalmente.

“Audaz, o Demolidor”, salvo equívoco de minha parte, teria sido o primeiro personagem com característica de Super-Herói, criado ainda nos anos trinta.

Por volta de 1953, a rádio Nacional do Rio lançou um personagem destemido, chamado “Jerônimo, o Herói do Sertão”, naturalmente para ser explorado inicialmente no formato de uma radionovela.

Tal formato era tradicionalmente requisitado para retratar dramas adultos, sendo o embrião do que viria a se tornar em seguida, as telenovelas, com as quais lidamos (ou aguentamos, seria mais conveniente dizer), há quase sessenta anos.

Mas destoando do romantismo padrão, “Jerônimo, o Herói do Sertão” foi uma aposta ousada de mudança de paradigma, e fatalmente atraiu a atenção do público infanto-juvenil, já antenado nas histórias em quadrinhos internacionais, mas também nos seriados exibidos no cinema, com heróis os mais diversos, tais como Flash Gordon; Superman; Fantasma; Mandrake; Spirit; Batman; Zorro; Tarzan; Dick Tracy e Capitão Marvel, entre outros.

“Jerônimo” foi um estouro de audiência, e rapidamente se tornou uma referência de herói brasileiro, sertanejo, e adaptado à nossa realidade cultural.

No Nordeste, a Rádio Jornal do Comércio do Recife, retransmitia a produção da Rádio Nacional do Rio, e a espalhava pelas rádios regionais dos outros estados vizinhos, garantindo-lhe uma audiência maciça.

E não era diferente na cidade de Campina Grande, interior da Paraíba, onde tal fato despertou a atenção de um jovem diretor da Rádio Borborema, chamado Deodato Borges, que concebeu a ideia de criar um personagem inédito, e lançá-lo no formato de radionovela diária, visando concorrer e roubar a audiência que Jerônimo monopolizava entre o público campinense infantojuvenil da época.

Com essa determinação, Deodato foi ágil, e muito competente, criando um novo personagem e seu universo; com personagens de apoio, e escrevendo a toque de caixa, inúmeras histórias.

Estava criado : “As Aventuras do Flama”, um super herói brasileiro; paraibano, e cujo objetivo de vida era zelar pelo bem estar da comunidade, intervindo sempre que preciso, para coibir ações criminosas de qualquer espécie.

Com o material redigido em mãos, convocou alguns colegas da emissora, e com ele mesmo emprestando sua voz e interpretação ao personagem, tratou de colocar no ar, em 1961, o primeiro episódio do “Flama”.

Na apresentação do herói, a locução contava que o “Flama” testemunhara o assassinato a sangue frio de seus pais na infância, e aos prantos, jurou dedicar sua vida à caça de todos os bandidos os quais pudesse capturar, e tirar da circulação social.

Desde então, estudou todas as lutas possíveis e imagináveis; desenvolveu seu físico ao ponto de obter uma força acima do padrão normal, e tornou-se um expert em ciências.

Bem, em princípio, o autor não quis extrapolar com a criação de explicações exageradas sobre super poderes ao estilo dos heróis internacionais, e mais comedido, atribui-lhe força física além de um homem normal, mas sem nada sobrenatural, e explicável ao ponto de ser apenas fruto de seus esforços com condicionamento físico, fisiculturismo, musculação etc.

Sua habilidade na luta corporal contra malfeitores, era por conta de dominar um repertório vasto de técnicas de diversas lutas que estudara, e a vaga ideia de ser um expert em ciências, o elemento que lhe dava subsídios tecnológicos mais avançados para usar como fator de inteligência.

Os personagens de apoio eram : Zico e Bolão (dois amigos prosaicos); Eliana (noiva do Flama), e o comissário Laurence, a autoridade policial super sensata, ao estilo do comissário Gordon, do Batman.

Ouvindo uma rara locução preservada atualmente, num podcasting, encantei-me com o coloquial típico da época. Em se comparando ao que ouvimos hoje em dia nas ruas, o coloquial da época era muito sofisticado !!

Apesar de não serem atores profissionais, todos os envolvidos na produção, incluso o próprio Deodato Borges, que interpretava o “Flama” na radionovela, mostravam-se bem desenvoltos.

Quando foi ao ar, virou um sucesso mastodôntico em Campina Grande, deixando o staff da pequena emissora boquiaberto, pois não só enfrentara, mas estava vencendo a atração da concorrência, “Jerônimo, o Herói do Sertão”.

Inicialmente executado de segunda a sexta, às 13:00 Horas, com cerca de 25 minutos de duração cada episódio, teve que ter seu horário mudado, pois as escolas da cidade reclamaram do fato de que as crianças e adolescentes estavam chegando atrasados às aulas, por conta da verdadeira febre que “O Flama” estava causando em Campina Grande.

Aos sábados, os rádio-atores promoviam uma execução aberta ao público, direto do auditório da emissora, que fervilhava.

Logo surgiu a ideia de se criar um fã-clube e organizado para distribuir souvenir do herói, também instituiu carteirinha para sócios, e era muito difícil uma criança ou adolescente de Campina Grande nessa época, que não a tivesse no bolso, 24 horas por dia.

Em 1963, a Editora Globo lançou a versão em História em Quadrinhos de “Jerônimo, o Herói do Sertão”, e Deodato Borges foi tão ágil quanto o “Flama” e tratou de desenhar os traços do herói, e rapidamente agilizou a produção da versão em HQ de seu herói, com as bênçãos da Rádio Borborema, e apoio imprescindível do Diário de Borborema, jornal local e pertencente ao mesmo grupo da Rádio, que o auxiliou na parte gráfica.

Uma loucura total, mas o espírito empreendedor de Deodato Borges concretizou seu intento.
Dessa forma, numa cidade interiorana da Paraíba, no início dos anos sessenta, havia uma publicação enfocando um Super Herói genuinamente brasileiro, e com o adendo de que nessa altura, já consagrado pelo público local, graças à radionovela.

Mesmo não tendo fama de alcance nacional, e não tendo sobrevida como deveria ter tido, a revista do “Flama” entrou para a história da HQ brasileira, sem dúvida alguma.

Nessa primeira abordagem, os traços do Flama lembravam a velha escola da HQ americana.

Usando um uniforme parecido com o do Flash Gordon, e tendo traços fisionômicos parecidos com o Spirit, além de uma certa aura do Mandrake, nesse aspecto visual não havia tanta identidade tipicamente brasileira, tampouco nordestina, regionalizando-o.

Deodato continuou sua vida como radialista, produtor e desenhista, tendo feito vários trabalhos muito bacanas, e seu DNA para os quadrinhos seguiu adiante, pois seu filho, Deodato Borges Jr., ganhou o mundo e a fama internacional, ao se tornar um dos maiores desenhistas do planeta.

Sob o pseudônimo de Mike Deodato Jr., trabalha para a Marvel, DC e outras companhias internacionais de alto nível, no mercado dos Comics.

Já desenhou oficialmente : Thor; Hulk; Os Vingadores, e por bastante tempo, a heroína Electra, além de uma infinidade de outros personagens.

Claro, dentro do conceito “review”, Mike Deodato redesenhou o personagem do “Flama”, modernizando-o e adaptando-o ao padrão Marvel / DC, e dessa forma, “O Flama” atual se mostra no padrão de um super herói clássico internacional, tanto pelo uniforme, quanto porte físico e postura / atitude.

Mike é muito respeitado no universo da HQ, e soube valorizar a incrível e histórica criação de seu pai.

Em dezembro de 2014, tivemos no Brasil, em São Paulo, a primeira edição local da Feira Comic Con, que é uma das maiores, senão a maior feira do universo Comics / Sci-Fi Series & Movies do mundo.

Causou furor, com fãs se acotovelando para entrar e curtir a versão brasuca, recheada de atrações.

Deodato Borges estava confirmado como palestrante, e onde seria homenageado pela sua relevante contribuição à HQ brasileira pela criação do seu incrível personagem, “O Flama”.

Infelizmente, alguns meses antes, em agosto, foi vencido por um câncer renal, aos 80 anos de idade, nos deixando.

Teria sido magnífico ele ter sido homenageado em vida, em plena Comic Con, mas não foi possível, infelizmente.

“O Flama” há de sobreviver com essa repaginada que o ótimo Mike Deodato lhe deu, e ainda que perca um pouco de sua ingenuidade adorável, que lhe caracterizava na Paraíba de 1961-1963, tenho certeza de que irá dar cabo de muitos bandidos no futuro, fazendo a criançada e os adolescentes vibrarem.

O Blog do Deodato Borges ainda está no ar e tomara que o mantenham. Lá, tem histórias boas contadas por ele em pessoa, através de crônicas

O link é:


Fica aqui a minha admiração pela criação, e espírito empreendedor de Deodato Borges.


8 comentários:

  1. Te confesso que não conhecia o Flama e sua história tem um que de Bruce Wayne.
    Obrigada por agregar informações de um assunto tão rico e interessante. Agora irei conhecer melhor o universo HQ nacional.

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    1. Muito legal saber que o texto lhe trouxe essa surpresa agradável. De fato, a HQ nacional tem muitos artistas desconhecidos do grande público, e está mais do que na hora deles serem realçados.

      Abraço, amiga Jani !

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    2. Realmente! Essa eu não sabia também! Apesar de já ter ouvido falar de algumas coisas que só são conhecidas no Nordeste mesmo, nesse caso sem a caracterização típica, mas sem ultrapassar fronteiras! Mas vale lembrar que, na minha opinião, o embrião das histórias em quadrinhos no nordeste sem dúvida nenhuma foram os cordéis!!! Acho mesmo que podem ser considerados pré-quadrinhos...não acha Luiz? Bj!

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    3. Sensacional saber que apreciou a matéria, amiga, Christine.

      Claro que os cordéis são a base da literatura nordestina, também acho.

      Só que nesse caso, creio que a influência foi mínima, pois Deodato Borges criou o Super Herói "Flama" muito mais baseado num aspecto não regionalizado, portanto, mais cosmopolita.

      Mas em nada desabona a sua colocação, pois no contexto em que comentou, tem razão.

      Grande abraço !!

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  2. Interessante e legal, muito bom aprender um pouco mais da nossa história e saber que tivemos um super herói, ótimo :)

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    1. Viu que legal, Kim ?

      O Flama foi (é) um tremendo herói bacana e paraibano.

      Abração !

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  3. O Flama merece ser lembrado eternamente

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  4. Um fato curioso é que nunca foi mencionada a real identidade do Flama e como treinou e se aperfeiçoou nas disciplinas que dominou m

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